O triunfo da diferença


581176_456521594414774_995647602_nO Estado moderno perdeu o rumo e provoca a perda de juízo da população
A agitação em curso é o confronto de máquinas, algumas ainda confusas. A novidade é que o Estado não contava com essa organização invisível, nem com a disposição, que impulsiona a turma desse subpoder, que logo será incorporado ao poder mesmo.
Por:Paulo Delgado, sociólogo

A natureza não gosta de se dar muito trabalho quando se vê diante de pessoas que adotam qualquer opinião nova que entre em moda. Deixa passar e vai cobrando seu preço sem que ninguém perceba a origem das coisas que não dão certo ou começam a ficar incontroláveis. Sob a aparência de direitos está em curso no mundo uma nova maneira de acelerar o processo de convergência de pensamentos a atitudes para facilitar a segurança e o controle.
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Aparentando o que não é, em virtude do programado estímulo à diferença e aos personalismos, estão criados os diversos tipos encobertos pelo discurso da igualdade. O indivíduo singular agora virou cidadão, o povo tornou-se multidão. A maioria dos governantes do mundo, depois que os meios de comunicação se transformaram em parte ativa do poder político, preferem popularizar suas atitudes e estimular o individualismo a cuidar de popularizar o povo e valorizar suas ações coletivas.
Enquanto isso máquinas de poder estão sendo construídas, não só para a decomposição de soberanias antigas, muitas ultrapassadas e injustificáveis, mas para impor a todos certa fluidez da forma de ser, uma formação-deformação para gerar e degenerar valores individuais e coletivos, ao mesmo tempo. O calor escaldante produzido pela proximidade com o que parece um novo poder incendeia a cabeça de jovens sonhadores enquanto entope mais ainda a política de seu descontrolado sonho de domínio. Não há nenhuma garantia de que a nova ordem-desordem que se procura esteja baseada nas noções de autonomia, transparência ou felicidade. Podemos bem estar diante do roto reclamando do esfarrapado se não for possível deduzir da revolta outra soberania, mais solidária e coletiva.
O Estado moderno perdeu o rumo e provoca a perda de juízo da população, que é usada somente como contribuinte ou eleitor. Para manter sua gigantesca ineficiência intocada, aliou-se aos construtores de pirâmides de onde entra e sai dinheiro como se fosse vitamina. Mas anda mexendo em outro vespeiro quando dirige a mudança de perfil das instituições e de seus membros – não mais instituições públicas de caráter universal, mas cidadelas setoriais de grupos, facções e guetos – para transformá-los no principal motor da luta pela diferença no mundo atual. Como a base não é o direito ou o humanismo, em pouco tempo tudo se converterá em incontrolável rixa de todos os diferentes.
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Todos parecem bem-vindos ao sistema de dominação onde afirmar a diferença é a mais elevada forma de inclusão política. Quem lê sem preconceito o que descrevem Michael Hardt e Antonio Negri no livro Império, pode encontrar explicações para as aparentes desordens recentes. No primeiro momento, a face magnânima e liberal da novidade deslumbra muitos. Todos são bem-vindos dentro das fronteiras do Estado, que encobre tudo com um véu de ignorância para preparar a aceitação universal de todos os guetos. Aciona a máquina da integração, uma boca aberta com apetite infinito que vai do pobre ao banqueiro, do governante ao empreiteiro, da autoridade aproveitadora ao aproveitador da autoridade. “Pondo de lado tudo, a coisa passa a ser uma espécie de espaço liso pelo qual deslizam subjetividades sem resistência.” Metáfora da descentralização e da perda da identidade das pessoas e dos países, deslumbrados com o mundo das personalidades híbridas, das hierarquias flexíveis e do abandono das tradições, o controle do novo mundo é feito com o discurso cultural e jurídico da estabilização e do elogio da diferença. Condena todas as formas de fusão de identidades, ou sonhos de igualdade, estimulando cada vez mais e mais divisões de todo tipo. “Nada de atenuar ou negar essas diferenças, mas, de preferência, afirmá-las e ordená-las, num efetivo aparelho de comando”, político e jurídico.
Não é mais dividir e conquistar como antigamente. A nova ordem é reconhecer e festejar todos os oportunismos – econômicos, de raça, credo, sexo, moral, políticos – para incorporar e administrar cada um no seu lugar. E dissolver a ideia da luta por direitos no burburinho da briga por espaços e privilégios.
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A agitação em curso é o confronto de máquinas, algumas ainda confusas. A novidade é que o Estado não contava com essa organização invisível, nem com a disposição, que impulsiona a turma desse subpoder, que logo será incorporado ao poder mesmo. Mas eles estão botando a cara de fora na Síria, Irã, França, Rússia, Espanha, EUA e agora também no Brasil. Entre nós, por quase tudo, até por achar que a Fifa deveria organizar uma seleção de construtores para disputar a preliminar da Copa de 2014, em que confetes de dinheiro seriam jogados de helicópteros para encobrir a miséria em torno dos estádios.
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