Snoop Dogg tentou alugar um país




João Renato Faria - Portal UAI


Faça um esforço e se lembre das aulas de geografia do colégio. Liechtenstein é um pequeno país europeu, encravado entre a Suíça e a Áustria, famoso por ser um paraíso fiscal. Lembrou? Pois Snoop Dogg também. Mas o rapper, de acordo com o site da revista americana New York, foi além e tentou alugar o país. Isto mesmo que você leu: alugar.

A ideia do cantor era usar o país para um videoclipe. Casas, ruas e as 35 mil pessoas que moram lá seriam cenário para o rapper, seus carrões e suas mulheres. O negócio não deu certo, mas não foi por que parece um absurdo a ideia de alugar um país inteiro.

"Nós recebemos pedidos de aluguel por alguns lugares e vilas, mas nunca pelo país inteiro", explicou Karl Schwaerzler, o agente de propriedade de Liechtenstein. "Seria possível, mas os empresários de Snoop Dogg não nos deram tempo suficiente para trabalhar", lamentou o agente para a revista.

Não se sabe agora se o cantor vai filmar o clipe em um lugar menos complicado ou se vai tentar alugar um outro país.

A Evolução da Escravidão

Por Alexandre Mendes
A escravidão sofreu mutações ao longo da história e sua aplicação foi diferente nas diversas partes do mundo. Será que hoje somos mesmo livres?

Analisando o regime escravista em épocas e lugares diferentes, chegaremos a conclusão de que não há um modelo universal para a aplicação deste.
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Na Grécia Homérica,enquanto alguns escravos não eram dignos da menor confiança, outros possuiam terras doadas pelo seus donos,constituiam família e até adquiriam seus próprios escravos. Ser escravo na Grécia ainda era melhor do que não participar de nenhuma família (oikos); ser livre sem uma família (teta) era a pior posição social.
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Em Roma,os escravos ocupavam diversos cargos dentro das famílias: os rurais viviam em piores condições, havia os especializados em alguma função (vinhateiros, porqueiros etc.). O vilicus obtinha a melhor posição: administrava a terra e os demais escravos de seu senhor. No Brasil colônia,o escravo trabalhava nas plantações de forma sub-humana, uma tentativa de fuga era seguida de diversas chibatadas no tronco, ou até a mutilação como castigo.
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Atualmente,o regime escravocrata é considerado extinto. Porém reflita:
-Você é livre para ir aonde quiser amanhã?
-O que acontece se você ficar desempregado?
-Você já engoliu algum sapo do seu patrão, para não perder o emprego?
-O que acontece se não pagar todas as suas dívidas e impostos?
-E se você agredir verbalmente uma autoridade?
-E se ela te agredir verbalmente?
-O que acontece se você parar de votar?
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Essas e outras questões nos mostram como estamos presos a uma teia social[*] ,na qual um conjunto de leis,regras e costumes impostos pelo Estado e elite, nos prende ao regime capitalista de forma covarde. Portanto a escravidão não acabou, ela apenas foi adaptada para o modo de podução capitalista atual.
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[*]Concepção de Max Weber.
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(Texto publicado no fanzine "O Berro" nº 8, junho/2009, caixa postal 100050, Niterói, RJ, Brasil, CEP 24020-971)

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Copa da África desmente promessas de desenvolvimento e escancara apartheid intacto

Escrito por Gabriel Brito

Começou na última sexta-feira a 19º. Copa do Mundo, a primeira realizada na África, no país tido como o mais desenvolvido do continente, a África do Sul. Oportunidade única para levar o melhor do esporte mais popular de todos a localidades carentes de grandes torneios em seus cenários nacionais, como é o caso da sede de 2010.



Porém, em um país que ainda se encontra longe de dirimir as diferenças do passado, a Copa acabou se transformando em uma excelente oportunidade de mostrar ao mundo como seguem latentes as tensões entre ricos e pobres, que ainda devem ser lidas como entre brancos e negros.



Para os brasileiros, é uma ocasião ainda mais importante para que possamos observar o que está por vir com a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A forma como os preparativos foram feitos por lá em muito se assemelha com as tendências que vemos se desenhar cá.



Qualquer semelhança não será mera coincidência...



"Os despejos se multiplicaram nos últimos anos, em parte pelo aumento do preço da terra e em parte porque a prefeitura da Cidade do Cabo não nos quer tão perto do centro, onde os turistas podem nos ver", conta Gayika Tshawe, dirigente comunitário do Joe Slovo, terreno que une alguns dos milhares de excluídos da festa da nação arco-íris, em matéria de Joan Canela i Barrull, no catalão El Periodico.



Com a organização do Mundial tendo custado cerca de 8 bilhões de reais, integralmente bancados pelo governo, já ficava claro antes do apito inicial que as promessas de melhorias de vida para a população eram cortina de fumaça. Sem esse argumento, é impossível convencer um povo repleto de carências a apoiar tal empreitada.



No período de obras, atrasadas por diversos motivos estruturais, incontáveis greves dos operários que labutavam pela Copa (e por suas famílias, claro) foram registradas, a mais famosa dela a dos que construíam o palco principal. Mesmo trabalhando para um evento bilionário, a reclamação era sobretudo a respeito dos baixos salários. E muitas outras paralisações ficaram só na ameaça por terem sido contornadas pelo Comitê Organizador e governo.



A Copa chegou e nada mudou. Dezenas de milhares de pessoas foram desalojadas para áreas muito mais distantes dos centros. Em Johanesburgo, para a construção do Soccer City, o maior estádio do Mundial, toda uma comunidade foi expulsa de seu terreno e realocada para cerca de 35 quilômetros dali, para uma precaríssima favela com barracos de zinco. Isso porque a capital do país já possuía dois outros estádios de grande porte.



"A Copa do Mundo fez a vida dos pobres ainda mais difícil. Muitas pessoas foram desalojadas para a construção de novos estádios. As pessoas não foram tiradas dos barracos para serem levadas a uma casa. Levaram-nas para outros barracos, sem luz, água, nada", revela Therbani Ngonfoma, do Abahlali baseMjondolo (AbM), movimento que reúne cidadãos prejudicados pela Copa fundado em Durban, em 2005.



A FIFA que poucos conhecem



E se os africanos esperavam ao menos desfrutar a parte lúdica do evento, também se decepcionaram fortemente. A poucos meses da abertura, a FIFA anunciou que havia um encalhe de cerca de 800 mil ingressos, reclamando abertamente da falta de adesão do povo local ao Mundial. No entanto, ao analisarmos os fatos, veremos que foi a própria senhora do futebol quem propiciou este revés.



Primeiramente, ignorou-se a realidade econômica do país sede, com os ingressos sendo postos à venda somente por internet, com cartão de crédito e a preços similares aos da Alemanha-2006, fatores de exclusão imediata de uma infinidade de fãs. De quebra, para os estrangeiros, já atemorizados com as inúmeras notícias da violência das cidades sul-africanas, a intermediação das vendas era obrigatoriamente feita pela Match, agência oficial da FIFA, que tem como sócio Philip Blatter, sobrinho do ilustríssimo Joseph, presidente da entidade e sucessor de João Havelange, unanimemente considerado o homem que injetou o futebol-negócio em nossas veias.



E a incompetência (e avareza) da empresa apadrinhada por tio Blatter contribuiu de forma magnífica para que as previsões de 500 mil turistas no país caíssem pela metade. Por conta das imposições que a FIFA faz a toda sede, 80% dos quartos dos hotéis mais estrelados ficam reservados, e não tem conversa, para a Match. Sabendo-se dona do pedaço, a agência cobrou ágios de até 30% na hospedagem dentro dos pacotes de viagem. Assim, muitos torcedores resolveram assistir aos jogos de casa. E a rede hoteleira sul-africana ficou na mão.



Mas como toda boa famiglia, os laços sangüíneos tornam as relações inabaláveis. Philipinho Blatter também é dono da empresa que detém a prerrogativa de negociar os direitos de transmissão da Copa em nome da FIFA. Fora que sua consultoria para ajudar na organização de perfumarias da entidade lhe rendeu US$ 7 milhões em honorários.



Cabe perguntar por que as emissoras de TV interessadas em transmitir a Copa não podem ir à sede da federação em Zurique e sentar pra negociar diretamente com sua diretoria e departamentos comercial e jurídico. Cabe também questionar por que a intermediadora tem sede no mesmo local (Zug, na Suíça) da ISL, a antiga representante comercial da FIFA, cuja falência a justiça suíça comprovou ser uma fraude após seis sócios confessarem desvios de 96 milhões de dólares. Tais indagações podem ser feitas por qualquer um que leia ‘As contas erradas da FIFA’, no Le Monde brasileiro deste mês de junho.



Estádios revelam as contradições



Com o fiasco à vista, a entidade máxima do futebol anunciou que uma vasta quantidade de entradas seria vendida com preços especiais, isto é, acessíveis, exclusivamente para os cidadãos sul-africanos. Porém, a baderna imperou nas bilheterias e muita gente ficou sem conseguir seu bilhete. Além do mais, para a imensa comunidade nigeriana no país, a idéia não serviu para que pudessem prestigiar sua seleção na estréia contra os argentinos, que, mesmo vindo do outro lado do terceiro mundo, tinham mais apoiadores no estádio.



Quando enfim chegou o esperado 11 de junho, as contradições do país voltaram à tona. Enquanto a seleção da casa entrava em campo com seus atletas entoando a Shosholoza, histórico canto dos mineiros negros da época da segregação, uma platéia predominantemente branca tomava conta dos 88 mil assentos do novíssimo Soccer City. Era inacreditável, pois além de serem ampla maioria da população, o mundo inteiro sabe que, no país de Mandela, os brancos gostam de rugby e críquete, heranças coloniais, ao passo que os negros dedicam seu amor esportivo ao futebol de forma unânime.



Na seqüência das partidas, nós, telespectadores, continuamos a nos surpreender. A grande maioria dos jogos tinha um vazio que variava de 20% a 30% da capacidade das modernas e festejadas arenas. E que fique claro que, mesmo com as injustiças gritantes do país, os fãs locais do esporte bretão apreciam a Copa por lá. Na antevéspera da estréia dos Bafana Bafana, cerca de 200 mil pessoas entupiram o nobilíssimo bairro de Sandton, reduto da alva elite sul-africana, com apartamentos avaliados em 5 milhões de dólares. Com a estátua de Mandela ao centro da multidão, foi uma das poucas vezes que o distrito se tingiu com as cores da casa.



Uma Copa do Apartheid



Muitos sul-africanos não escondem a decepção com a vida pós-apartheid, especialmente a desilusão com o Congresso Nacional Africano, partido que representava os negros nas negociações pelo fim do regime racista e que repetiu um processo de encantamento e encastelamento no poder que conhecemos perfeitamente por aqui. "O CNA não cumpriu suas promessas, fazendo agora um apartheid entre ricos e pobres", sentencia Therbani, em entrevista a Gloria Ramírez, da revista eletrônica Desinformémonos.



A cruel e definitiva prova de que a Copa do Mundo não foi feita para o povo africano está sendo dada no andamento da competição. Em Durban, dia 13, centenas de pessoas que se alistaram como prestadoras de serviço na Copa ficaram sem receber o valor combinado pelas mais de 12 horas trabalhadas no jogo Alemanha e Austrália. Foram reprimidas violentamente pela polícia e, mais de uma dezena, presas. "Temos família e trabalhamos o dia todo. Você acha isso justo?!", indignou-se uma revoltada trabalhadora da Copa diante de meio mundo de câmeras.



No Internacional Broadcasting Center (IBC), QG da mídia no torneio e localizado na capital, todos os prestadores de serviço abandonaram seus postos neste dia 16 por verem a cor de somente metade dos 50 dólares diários combinados. Por ora, sabe-se lá até quando, é a própria polícia quem cuida da circulação de pessoas e demais tarefas que cabiam àqueles que ajudavam a organizar a Copa.



De volta para o futuro



Diante de todas as mazelas provocadas e/ou mantidas com o mundial sul-africano, podemos preparar melhor nossos anticorpos para os grandes eventos que se realizarão no Brasil. Desapropriações forçadas já estão sendo tentadas em áreas pobres e potencialmente rentáveis e a truculência do conluio governos/iniciativa privada já se faz sentir em diversas frentes.



Além das incontáveis licitações que serão esquecidas ‘em nome da urgência’, projetos como o de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro estão ameaçados pelo senso de oportunidade de Eike Baptista, aquele que triplicou sua fortuna sem triplicar a produção de seus empreendimentos em mágicos 12 meses. Fora que já está sendo articulado o assalto aos aeroportos (rentáveis) pelos privatistas.



"Parte da crise da Grécia é explicada pelos gastos extraordinários provocados pelas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Em sociedades com frágil institucionalidade, megaprojetos são fértil campo de práticas de corrupção e da incompetência. Há alta probabilidade de que o Brasil cometa os mesmos erros dos gregos (endividamento interno e, principalmente, externo) que quebrarão as finanças públicas e o sistema financeiro brasileiro no pós 2014-16", disse o economista Reinaldo Gonçalves em entrevista ao Portal IHU Online, em maio.   



Aliás, quem acompanha a renhida briga de bastidores sobre o estádio paulista da Copa de 2014 pode compreender a motivação da exclusão do Morumbi em favor de uma nova arena na cidade, no bairro de Pirituba, e fazer o paralelo com a Copa 2010. Por R$ 460 milhões, o governo sul-africano queria levantar o Athlone Stadium, na parte mais pobre da Cidade do Cabo. Poderosa, a FIFA conseguiu impor o Green Point, na já abastada, estruturada e turística orla local. Como informou a Folha de S. Paulo, o capricho adicionou R$ 540 milhões na conta do governo Jacob Zuma. Já o Soccer City cairá no colo da iniciativa privada pelos próximos 10 anos, depois de o governo local ter gasto 800 milhões de reais para erguê-lo - outra fortíssima tradição brasileira.



De acordo com o professor de Economia da Universidade de Kwa Zulu Natal, Patrick Bond, os projetos dos eventos esportivos que mais mobilizam a humanidade aproveitam-se do relaxamento e desinformação de seus majoritariamente humildes apreciadores para reproduzir um modelo de vida que provou não ser frutífero, quanto menos provido de alguma justiça. "O problema é que se hipotecou grande parte do orçamento público em infra-estruturas que reforçam o modelo de desenvolvimento neoliberal, em vez de se concentrarem em uma aposta social e sustentável", declarou a Joan Barrul.



Os engravatados que se encarregam de organizar a festa mais assistida do mundo sabem perfeitamente disso. E, apesar de nunca terem chutado uma bola, já são os maiores ganhadores do Mundial. Só falta bordarem uma estrela no peito.



Gabriel Brito é jornalista.

Estatuto Racial

Geraldo Magela / Agência Senado

Senador Paulo Paim PT-RS e líderes do movimento negro comemoram aprovação do Estatuto da Igualdade Racial
Estatuto da Igualdade Racial: Quem divide os brasileiros?
Os detratores das políticas afirmativas contra a desigualdade racial vêem a ameaça de “racialização” do Brasil. Mas a divisão entre brasileiros de pele clara e pele escura está enraizada na escravidão e em suas marcas que sobrevivem e precisam ser superaras para soldar o fosso social em nosso país

Por José Carlos Ruy
Mesmo mutilado, o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (dia 16) provoca reações alérgicas em setores conservadores da elite brasileira. O texto original foi desfigurado pelo relator, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que retirou as referências às cotas na educação, à saúde da população negra, e o incentivo para a contratação de negros pelas empresas privadas.

Mesmo assim, o texto - que foi tema de um editorial no jornal O Estado de S. Paulo com o significativo título de “Poderia ter sido pior” - foi desaprovado por seus detratores com o argumento de que ele fratura a sociedade brasileira e promove a "racialização" do país, ou a criação de um "Estado racializado".

A divisão existe e seu reconhecimento é fundamental para corrigir uma fratura histórica e consolidar a democracia no país. O argumento da racialização é uma falácia que não resiste sequer a um exame superficial. Na verdade, o que os setores conservadores e aqueles que partilham sua opinião temem não é a criação artificial de divisões entre os brasileiros. Temem o reconhecimento institucional de sua existência como herança histórica da formação do Brasil e que persiste em nossos dias penalizando a parcela dos brasileiros que descende dos africanos escravizados durante os períodos colonial e imperial e que, por trazer na pele a marca dessa descendência, constituem os setores mais oprimidos da população brasileira.

O racismo brasileiro tem características próprias e é tão perverso quanto todas as outras formas de hierarquização das populações com base em características corporais, supondo a superioridade daqueles que têm pele clara e a inferioridade dos demais. Entre estes traços está a definição da "raça" (que não é biológica, mas histórico-social) a partir da aparência e não da origem. Isto é, no Brasil, uma pessoa de pele clara é considerada branca, criando aquilo que o historiador Clóvis Moura considerava como uma válvula de escape que permitia a incorporação ao grupo "superior" daqueles que, tendo origem índia ou africana, apresentassem traços europeus.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a definição de "raça" é diferente e não permite aquela válvula de escape pois, lá, o que conta é a origem e não a aparência, sendo considerado negro todo aquele que tiver um oitavo de sangue negro (isto é, aquele que tiver um bisavó negro), independente da cor de sua pele.

O racismo brasileiro nasceu sob a escravidão e mantém suas marcas. A definição "racial" pela aparência fundamenta a tese, falsa, de que aqui a escravidão teria sido amena e o preconceito racial inexistente - a tese da democracia racial, que passou a prevalecer no imaginário das classes dominantes a partir da década de 1930.

Uma outra característica do racismo típico de nosso país é aquela expressa através da frase antiga segundo a qual no Brasil não existe questão racial porque, aqui, o "negro conhece o seu lugar". A historiadora baiana Wlamyra R. de Albuquerque (autora de O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil) demonstrou como, nos anos posteriores à abolição da escravatura, esse lugar do negro foi sancionado socialmente através de uma combinação de consenso social dos setores privilegiados com repressão pura e simples contra os ex-escravos recalcitrantes àquelas imposições.

Em consequência, o Brasil não precisou de uma legislação segregacionista porque a ordem social segregadora estava introjetada em cada pessoa, levando-as a aceitar como natural uma separação que indicava a cada um o seu lugar e que, por isso, não precisava ser explicitada através da lei. Naturalidade ainda não banida de todo e que reaparece toda vez que a presença de um ser humano de pele escura em um ambiente de brancos provoque estranheza e mesmo manifestações de hostilidade aberta. Foram criados assim - sem serem explicitamente nomeados - espaços de branco e espaços de negros. São espaços geográficos e sociais. Um exemplo é a corriqueira separação, nos edifícios, entre elevadores "de serviço" e "social", estes virtualmente proibidos para pessoas de pele escura. Mas a separação é muito mais grave, e relegou os brasileiros de pele escura aos piores lugares, aos empregos mais humildes, desvalorizados e mal-remunerados, aos cortiços e favelas, à ausência da escola; abandonados à marginalidade, à miséria e à ignorância. Os shopping centers, os locais de moradia de "alto padrão", são espaços de branco, assim como as universidades. Daí a gritaria generalizada contra o sistema de cotas que representa um rombo no muro "racializado" que restringe aos brasileiros de pele escura o acesso ao ensino superior. Era o seu lugar, sancionado pela elite, pelos costumes e pela ciência social desde o final do século 19.

Ao contrário do que pensam os detratores do Estatuto da Igualdade Racial, a divisão é histórica e resulta da exploração do trabalho escravo; da forma como a escravidão foi abolida, sob controle da oligarquia latifundiária e escravista; e da ausência de políticas de promoção social capazes de integrar à nova vida os antigos escravos libertados em 1888.

A profunda desigualdade que teve origem no período escravista se manteve e atravessou o longo período que intermedeia o fim daquele instituto iníquo e nosso tempo, no início do terceiro milênio.

Essa divisão, que resulta da "racialização" da sociedade brasileira desde sua formação histórica, tem sido demonstrada por todas as estatísticas, reiterada e monotonamente. Argumentos conservadores muitas vezes ressaltam a melhoria das condições de vida da população de pele escura. Ela reflete, mostram dois estudos publicados pelo Ipea em 2008 (Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição e As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição, organizado por Mário Theodoro) a melhoria geral nas condições de vida da população brasileira, principalmente desde a redemocratização de 1985, acentuada na década de 2000.

A novidade trazida pelos estudos do Ipea é o fato de que, nesse quadro de melhoria geral, a distância que marca a desigualdade entre os segmentos brancos e negros permanece. No quesito renda familiar, entre 1987 e 2007, os brancos sempre tiveram rendimentos médios duas vezes maiores do que os negros - oscilou em torno de 2,4 vezes até 1999, e começou a diminuir após 2001 mas, mesmo assim, mantendo-se no mesmo patamar de duas vezes maior (2,06 vezes, no número exato). "Ou seja", dizem os pesquisadores, "a população branca ainda vive com um pouco mais que o dobro da renda disponível, na média, para a população negra".

Situação semelhante foi observada em relação à educação. Em 1976, 92% dos brancos sabiam ler e escrever e somente 78% dos negros - uma diferença de 14 pontos percentuais. Desde então a universalização do ensino fundamental reduziu drasticamente essa diferença e a diferença entre os dois segmentos caiu para apenas 2 pontos percentuais, uma melhoria significativa.

Entretanto, nesse mesmo período, a exigência de maior número de anos de escolaridade formal transformou-se num diferencial que se reflete em melhores oportunidades no mercado de trabalho. E a diferença entre brancos e negros se agravou quando se considera o ensino superior. Em 1976, 5% dos brancos tinham diploma universitário, contra apenas 0,7% dos negros. Em 2006, quando os negros alcançaram a marca de 5%, os brancos haviam avançado muito mais, chegando aos 18%. A diferença que era antes de 4,3 pontos percentuais, se acentou, pulando para 13 pontos.

A mesma fratura pode ser observada na situação no emprego. Os piores empregos, como ocorre desde o final do século 19, são ocupados majoritariamente por trabalhadores negros. Eles são 60% dos trabalhadores agrícolas, 58% na construção civil, e 59% dos empregados domésticos. São também a maioria dos trabalhadores não remunerados (55%) e sem carteira assinada (55%).

O brasileiro é um povo único, formado por seres humanos de origens diferentes que aqui se fundiram no traumático e violento processo da escravidão e de suas consequências históricas. Dada a forma como se deram as relações entre povos de origens diferentes, miscigenados sob o tacão do europeu, surgiu um povo que não pode ser diferenciado mesmo porque, numa mesma família, podem haver pessoas de pele clara e de pele escura, filhos dos mesmos pais e mães. Eles criam a situação existencial na qual irmãos de pele diferente não podem, evidentemente, serem partes de povos diferentes mas de um único e mesmo povo, o povo brasileiro.

O combate contra o racismo cresce na democracia. Hoje, o Brasil vive seu mais longo período democrático, e a luta contra a desigualdade se acentua traduzindo-se em conquistas institucionais que, para serem alcançadas, precisaram superar obstáculos historicamente constituídos e alicerçados. As ações pela igualdade cresceram desde a década de 1980, traduzindo-se em medidas tomadas inicialmente por governos municipais e estaduais e, depois de 1985 e da Constituição de 1988, pelo governo federal, e que se acentuaram depois do ano 2000, principalmente após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, envolvendo particularmente as universidades e o Ministério Público do Trabalho.

Um dos grandes obstáculos é a alegação, feita por detratores do Estatuto da Igualdade Racial, de que a igualdade pode ser alcançada naturalmente através das políticas sociais, sendo desnecessárias as políticas afirmativas. Chegam a alegar a inconstitucionalidade das políticas afirmativas pois criariam "privilégios" para a parcela da população beneficiada, rompendo a igualdade de todos perante a lei sancionada pela Constituição.

Contra estes argumentos, os estudos do Ipea demonstram a insuficiência das políticas sociais para eliminar a desigualdade decorrente da cor da pele, cujos limites foram expostos nestes 20 anos de experiência de universalização das políticas sociais. A lentidão da mudança é visível na constatação de que, mantido o ritmo atual, a igualdade na renda familiar só poderá ser alcançada em 2029 - daqui a duas décadas. É uma velocidade histórica "demasiadamente lenta", dizem os pesquisadores do Ipea. O combate à desigualdade racial exige mais que políticas sociais, e precisa ser acelerado por políticas afirmativas que tratem os desiguais de forma desigual para que, no final, a igualdade no perfil da distribuição da renda seja alcançada. A implantação dessas políticas afirmativas vai depender de muita luta para superar os obstáculos sociais, e históricos, representados por conservadores como o senador Demóstenes Torres e O Estado de S. Paulo, marcas do atraso enraizado no passado escravista que - este sim - divide os brasileiros e oprime aqueles de pele escura. É um fosso social que precisa ser superado através de políticas específicas pela igualdade e não, como querem os conservadores, fechando os olhos para sua realidade trágica.

Unegro considera Estatuto da Igualdade Racial um marco histórico

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (16) o Estatuto da Igualdade Racial - proposto em 2003 pelo senador Paulo Paim (PT-RS). O projeto, será enviado imediatamente à sanção do presidente da República.
Segundo o coordenador geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França, a aprovação do estatuto irá contribuir para a unidade do povo brasileiro. “Este é um dia histórico para o movimento negro. Nenhum país do mundo possui uma carta parecida com o Estatuto da Igualdade Racial brasileiro”.

O coordenador da Unegro explicou ainda que mesmo com a retirada do artigo referente às cotas para negros na educação, a questão deverá ser novamente avaliada pela CCJ através de um outro projeto de lei (PL) que tramita no Senado. O projeto prevê a unificação do regime de cotas para o ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico (nível médio) – e já foi aprovado na Câmara dos Deputados.

Sobre a resistência que o estatuto encontrou dentro de setores do próprio movimento negro, França afirmou que foi aprovado um estatuto possível. “Não há como compensar com apenas uma lei um déficit de mais de 500 anos de desigualdade. Aprovamos um estatuto possível e não aquele que queríamos”.

Para a entidade, próximo passo é a regulamentação do estatudo. "A carta estabelece regras para todo o país. A partir de agora vamos cobrar e trabalhar para que elas sejam efetivamente aplicadas tanto nos estados, como nos municípios".

Ele ressaltou ainda que a aprovação encerra com chave de ouro os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O movimento negro irá sentir muita falta do governo Lula. Esperamos que a eleição de Dilma garanta a continuidade dos avanços” disse o coordenador geral da Unegro.

Leia também a matéria: Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial, mas retira cotas

Da Redação, com agências

Apresentações em Cataguases : Fatality Crew




O grupo de Hip Hop Fatality Crew é formado por quatro jovens de 16 a 19 anos.

Phillipe (B-Boy Smoke), Gustavo (Mc G-Beat), Vitor (B-Boy Sektor), Rainyer (B-Boy Cyrax).






O grupo está formado desde 2008, e possui uma atitude interessante ao juntar a dança dos B-Boys e a música do MC em um só lugar, resgatando dois elementos importantíssimos da cultura Hip Hop. Há dois anos na estrada adquirindo conhecimento e respeito em meio a essa cultura, o grupo, infelizmente, sofre com a falta de patrocínio, fato que atrapalha os planos desses jovens talentosos. Com várias apresentações dentro do estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, o quarteto aponta a falta de incentivo como principal empecilho para conseguir um espaço maior de destaque na cidade e na região, pois se obtivessem apoio conseguiriam gravar suas músicas e marcar presença em campeonatos de dança e eventos de Hip Hop pelo Brasil afora. Mas os jovens não desanimarão, pois acreditam em seus sonhos e continuarão fazendo o seu melhor para cumprir suas metas

Programa Petrobras Cultural abre seleção de projetos


Em uma grande festa no Forte Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador, foi lançado na manhã desta sexta-feira, 11, o Programa Petrobras Cultural (PPC) 2010. A iniciativa abre inscrições para seleção pública de projetos em 19 áreas culturais, dentro das três linhas de atuação do programa: Formação, Preservação e Memória e Produção e Difusão. O PPC 2010 destina uma verba total de R$ 61,2 milhões para as seleções.

Esta é a sexta edição do PPC e pela primeira vez o lançamento acontece fora do Rio de Janeiro. Na ocasião, apresentaram-se os grupos de capoeira 'Toque de Birimbau' e 'Mangagá'. O cantor Xangai e o apresentador Pepeu foram os mestres de cerimônia do evento.

Estiveram presentes, ainda, o governador da Bahia Jacques Wagner, o mininistro da Cultura Juca Ferreira, o presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, Wilson Santa Rosa, gerente de comunicação da Petrobras, e o secretário de Cultura da Bahia, Márcio Meireles.

Na edição 2010 do PPC, três áreas têm cronograma diferençado e já tiveram suas seleções concluídas: festivais de música, festivais de cinema e difusão de longa-metragem em salas de cinema. Os projetos contemplados foram anunciados no início do ano. Os recursos para essas áreas somam R$ 9 milhões.

Nessa edição do PPC, os incentivos incluem desde projetos de pesquisa artística a projetos de distribuição de bens culturais. Podem se inscrever projetos destinados à recuperação e digitalização de acervos, à manutenção de grupos e companhias de artes cênicas, à produção de filmes, a eventos de cultura digital e artes eletrônicas, à gravação de CDs, a turnês de shows/concertos, entre outros.

De acordo com o gerente de comunicação da Petrobras, Wilson Santa Rosa, desde 2003 foram disponibilizados R$ 250 milhões pelo programa para investimentos em Cultura. “Somente em 2003 é que nós lançamos o PPC com o formato que ele tem hoje, para proporcionar o acesso aos incentivos para todo o Brasil e não somente no eixo Rio e São Paulo, que eram privilegiados”, informou.

Para o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, o lançamento do projeto tem dois objetivos principais: “O primeiro é criar um processo de escolhas transparente e que permite critérios objetivos. Mas também como Cultura é subjetiva, em que os componentes sabem que há critérios de escolha pré-requisitos definidos e eles devem ser respeitados, o trabalho que as nossas caravanas fazem é para que os produtores culturais entendam isso. O segundo é a descentralização dos patrocínios culturais brasileiros. Quando começamos, 75% dos recursos eram destinados ao eixo Rio/São Paulo. Hoje já conseguimos diminuir esse monopólio para 60%. Além disso, agora, todos os Estados brasileiros têm projetos escolhidos”, ressaltou.

Para o ministro da Cultura Juca Ferreira, é preciso mobilizar a Cultura Nacional. “Cultura é necessidade básica assim como Saúde e Educação. Mas se você olhar, nada na Cultura atinge 20% da população, a não ser a Televisão. Na área cultural, o cinema, por exemplo, somente 13% dos brasileiros têm acesso, e somente 5% da população já foi a um museu. É preciso mudar isso”, explicou.

Ferreira disse ainda que a Petrobras é um importante parceiro no financiamento da Cultura e deu uma dica para melhorar ainda mais o projeto. “Fica uma sugestão para que todo o ano o lançamento seja feito em um Estado diferente, como forma de proporcionar o conhecimento do que são os editais em cada Estado, de forma mais próxima. O Minc, somente através da Lei Rouanet, disponibilizou mais de R$ 300 milhões em investimentos e hoje chegamos a R$1 bilhão. A Petrobras é uma importante parceira para essa conquista”, salientou.

Segundo o governador da Bahia, Jacques Wagner, a descentralização da cultura é fundamental. “Nós não queremos concentração de cultura no eixo Rio/São Paulo. A Bahia é o berço da fundação da nação brasileira. Cada tostão investido significa que é mais gente fazendo o que gosta e o que sabe fazer. O povo brasileiro gosta é de cultura”, afirmou.

Comissões


Todos os anos são formadas comissões externas à Petrobras, com julgadores especializados em cada área. As comissões de seleção do PPC são formadas por grupos de profissionais que atuam diretamente nos setores da Cultura contemplados pelo programa, incluindo realizados, pesquisadores, jornalistas, críticos, curadores, acadêmicos, editores, entre outros.

Essas comissões são renovadas a cada ano, e sua composição busca atender à maior diversidade possível de perfis para o julgamento dos projetos, que são selecionados por seu mérito qualitativo. Nesta edição do PPC, as comissões reuniram 60 pessoas.

As inscrições para o Programa Petrobras Cultural podem ser feitas pelo site www.petrobras.com.br/ppc.

Invisibilidade Cidadã

do Portal Pró-Menino

O enfrentamento diário ao trabalho infantil tem obstáculos bastante desafiadores, especialmente em países da América Latina como o Brasil. Apesar dos reconhecidos avanços em termos gerais, ainda há certas práticas muito enraizadas em nossa cultura. “Elas remontam ao Brasil Colônia, atravessaram o Brasil Império, ingressaram no período republicano e persistem até nossos dias. É uma das heranças mais trágicas e vergonhosas da escravidão, porque impede que a criança tenha o direito de ser criança (estudar e brincar) e que os adolescentes tenham o direito de olhar sem medo para o futuro”, afirma o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa.
O procurador federal aposentado Edson Sêda explica tratar-se de uma questão de entendimento. “A partir do século XX, a invisibilidade da criança passou a ser um problema no mundo da cidadania. O pior cenário internacional percebido por quem pensa, quer e age segundo os princípios da Convenção [de 1989] tem sido o de que as pessoas olham para crianças e ainda as percebem "menores". Crianças ainda não são percebidas em suas potenciais capacidades de seres humanos. Permitir que crianças trabalhem como burros de carga é uma conseqüência dessa má percepção”, analisa.
Ambos os especialistas participaram da comissão redatora do ECA e reconhecem a importância da mobilização da sociedade civil para o enfrentamento do problema. “O Dia Nacional Contra o Trabalho Infantil, no doze de junho, é um período de forte mobilização ética e política para instalar o repúdio a essa prática na consciência nacional do povo brasileiro”, completa Antônio Carlos. Sêda acrescenta que iniciativas comuns mais efetivas podem decorrer se mudanças de atitude bastante simples. “Os países ricos e pobres passam a se integrar a essa iniciativa de enfrentamento na medida em que não aceitam financiar, comercializar e consumir produtos em que haja qualquer parcela de exploração infantil”, destaca o procurador.
“É preciso disseminar ao máximo a consciência de que quando uma criança trabalha, ou seja, tem sua mão-de-obra explorada, na verdade ela está sendo tratada como um adulto. E quando um adulto não consegue estudar, nem se profissionalizar, está tendo o seu direito de ser um cidadão brasileiro com um mínimo de dignidade caçado” opina o pedagogo. Sêda destaca ainda que é preciso despertar cada vez mais a consciência para o problema. “Há que se repetir: A exploração do trabalho infantil é conseqüência da "invisibilidade" cidadã. É essa insensibilidade que não permite a todos ver que os direitos humanos começam com a inclusão da criança no mundo da dignidade, do respeito humano e da cidadania”, ressalta o procurador.
No entanto, segundo Antônio Carlos, um dos principais desafios do combate ao trabalho infantil está mais relacionado mesmo com o próprio Estado. “As políticas públicas dessa área são muito frágeis, tanto em termos materiais como em recursos humanos. Esses obstáculos estão muito relacionados com o nível de desenvolvimento socioeconômico, político e institucional de cada país”. O procurador segue a mesma linha, ao defender que “ou o século XXI é a era da introdução da ética no ato de governar ou continuaremos a vitimizar as crianças para servir à esperteza, à pirataria, à corrupção e à exploração humana dos seres humanos”, conclui Sêda.



Epidemia de crack está fora de controle, adverte especialista


Cerca de 1,2 milhão de pessoas fazem uso da droga no país. Psiquiatra da Uerj diz que atendeu 200 pacientes e só recuperou um


Um fotógrafo profissional de 40 anos, depois de passar noites vagando pelas ruas, evitando as pessoas, não resistiu aos apelos do vício e entregou sua câmera Canon de última geração, avaliada em mais de R$ 20 mil, nas mãos de um traficante. Em troca, pediu 30 pedras de crack. Duas meninas, uma de 8 e outra de 12 anos, satisfaziam todos os desejos sexuais de "craqueiros", em uma praça do Rio, para ter a droga. Embora os efeitos devastadores do crack sejam conhecidos, nem mesmo os especialistas mais experientes possuem uma receita eficaz para tratar os usuários dessa droga.

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"Calcula-se que hoje pelo menos 1, 2 milhão de pessoas usem crack no Brasil. A maioria jovens. A gente não está falando de usuários de uma droga. A gente está falando de uma geração. Acho que estamos despreparados. Estamos de calças curtas. A gente não sabe como lidar com isso", reconhece a psiquiatra Maria Thereza Aquino, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que durante 25 anos dirigiu o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad).

Os dramas dos personagens acima foram relatados a profissionais do Nepad, instituição que capacita professores, desenvolve pesquisas e oferece atendimento psicanalítico e terapêutico aos usuários. "Eu, honestamente, de todos os pacientes de crack que atendi, perto de 200, de 2008 a 2010, só recuperei um", admite a psiquiatra.

Quanto ao aumento do número de usuários no Brasil, que já contabilizaria mais de 1 milhão de pessoas, Maria Thereza se refere ao estudo apresentado no início do mês passado pelo psiquiatra Pablo Roig, especialista no tratamento de dependentes da droga, durante o lançamento da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Crack, na Câmara dos Deputados.

"O crack tem uma extensão assustadora. Existe uma sensação de descontrole, de perda da situação", afirma Pedro Lima, da Secretaria municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

"É uma coisa que assusta muito a gente. O problema é que quase ninguém sabe como lidar com isso", emenda a gerente de projetos da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Suelen da Silva Sales, ao anunciar a formação de 900 policiais (militares, civis e peritos) que vão atuar nas fronteiras do país para evitar a entrada de drogas como cocaína e pasta base usadas na produção do crack.

"O crack apresentou nos últimos 5 anos um fato novo em relação aos desafios no campo da saúde. As respostas têm sido heterogêneas, atrapalhadas, precipitadas. É preciso serenidade, pois estamos diante de uma experiência trágica. É uma situação social de extrema gravidade", alerta o coordenador da área de saúde mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado.

Na semana passada, durante dois dias, um grupo de especialistas, incluindo Pedro Lima, Suelen Sales e Pedro Gabriel, se reuniu na sede da organização não governamental Viva Rio para definir estratégias e formular um documento com orientações de como tratar o problema do crack. As recomendações serão entregue a equipes do Programa de Saúde da Família.

De acordo com os especialistas, de todas as drogas o crack é a mais perversa. Por ser inalada, atinge diretamente o pulmão e o cérebro em cerca de oito segundos. Como o efeito é rápido, o usuário quer consumir cada vez mais, para manter a sensação de prazer constante. Com a frequência, o usuário se torna dependente em menos de cinco vezes de utilização. As últimas pesquisas sobre a droga mostram que em geral 30% dos usuários de crack morrem nos primeiros 5 anos de uso.

"Quem usa crack está sob a ação de uma cocaína quase 80 vezes mais poderosa do que a cocaína comum", atesta Maria Thereza Aquino.

"O indivíduo algum tempo depois, três meses depois do uso, começa a ter tosse sanguinolenta, o nariz não para de escorrer, começa a decompor a musculatura, fica com uma magreza só comparável à magreza da Aids. Ele fica frágil, o pulmão arrebentado, o cérebro também sofre pequenas hemorragias. Então, o sujeito pode ter um comportamento errático. O que você consegue perceber no usuário de crack é uma espécie de indigência mental e física muito grande", analisa a psiquiatra.

Para ilustrar o estado de um dependente de crack em estágio avançado, Maria Thereza costuma contar o relato de um de seus clientes. "Um paciente meu, universitário de 19 anos, estava namorando uma garota que frequentava com ele redutos de consumo de crack. Ele parou e voltou ao lugar para ver se a convencia - ela era de uma boa família - a parar. O rapaz disse que se viu diante da mais pobre menina de rua que já tinha visto. Era uma moça bonita e que estava em três meses completamente acabada. Essa droga provoca uma degradação humana assustadora", conclui.

Polícia brasileira comete execuções extrajudiciais, diz relator da ONU

Philip Alston diz que alguns policiais operam fora de serviço em esquadrões da morte e milícias e atuam como 'justiceiros' ou para 'obter lucro'; relator sobre execuções extrajudiciais citou ainda as mortes causadas pela polícia que depois são relatadas como auto-defesa.


O relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais afirmou que o dia-a-dia de muitos brasileiros, especialmente aqueles que vivem em favelas, ainda é vivido na sombra de assassinatos e violência de façcões

criminosas, milícias, esquadrões da morte e da polícia, apesar de reformas importantes do governo do país.


Em relatório divulgado nesta terça-feira, Philip Alston disse que a polícia executou supostos criminosos e cidadãos inocentes durante operações mal planejadas dentro das favelas há dois anos e meio, quando
esteve no país.

Taxas Alarmantes
Ele ressaltou que a situação atual não mudou e que a polícia continua a cometer execuções extrajudiciais em taxas alarmantes. Segundo Alston, são profissionais que operam fora de serviço em esquadrões da morte e

milícias e atuam como 'justiceiros' ou para 'obter lucro'. O relatório destacou melhorias em algumas áreas, com investigação e prisão de policiais no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.

Alston disse que o policiamento comunitário em algumas favelas da capital carioca são muito bem vindos, assim como a promessa do governo federal em aumentar os salários para melhorar a segurança antes da Copa

do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Mas ele enfatizou que os esforços vão exigir impulso maior para o que se espera nos próximos quatro anos.

Defesa
Alston citou ainda as mortes causadas pela polícia que depois são relatadas como auto-defesa. Segundo ele, foram pelo menos 11 mil fatalidades registradas em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009. Ele saudou a nova abordagem experimental da Unidade de Polícia Pacificadora, no Rio, que substitui intervenções de curto prazo em favelas pela presença da polícia a longo prazo com prestação de serviços sociais. Alston concluiu que o governo brasileiro merece crédito pela cooperação e abertura para avaliação externa, mas afirmou que ainda há muito para ser feito se o país quiser reduzir as execuções extrajudiciais cometidas pela polícia.

*Texto de Eduardo Costa Mendonça, da Rádio ONU em Nova York.

http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/180746.html

Efeito Lolita: como a mídia forja sexualidade juvenil de mercado


A professora de jornalismo e comunicação de massa na Universidade de Iowa (EUA), Meenakshi Gigi Durham, identifica os mitos criados pela mídia no tratamento da sexualidade, com efeitos nocivos para o desenvolvimento das meninas e a a liberdade das mulheres É o que chama de Efeito Lolita: cada vez mais a mídia atinge garotas mais jovens.

Por Marcos Aurélio Ruy*

No livro O Efeito Lolita: a sexualização das adolescentes pela mídia, e o que podemos fazer diante disso, Meenakshi Gigi Durham diz que é necessária a criação de grupos de discussão com participação efetiva dos jovens como forma de combater esse trabalho cruel feito pela mídia convencional.

É imposto às crianças e jovens um único padrão de beleza possível. E, como as imagens de garotas estampadas nas revistas são irreais, as meninas têm que comprar produtos que vão de cosméticos à cirurgias plásticas para atingir a perfeição de serem sexies e outros aspectos de suas vidas são relegados a segundo plano. A socialite Paris Hilton é a principal modelo a ser seguido assim como o grupo Pussycat Dolls.

Grifes como Victoria’s Secret e cantoras com Christina Aguilera, Britney Spears e Lady Gaga e suas similares pelo mundo afora apresentam como objetos sexuais. O nome Lolita deriva do livro homônimo do escritor russo Vladimir Nabokov: uma menina de 12 anos que é um tipo de garota especial, seduz sem ter consciência disso, passa a ter relacionamento amoroso com um adulto.

No livro Educar para a submissão, o descondicionamento da mulher, a pesquisadora italiana Elena Gianni Belotti, já havia mostrado como é um traço cultural a submissão da mulher. “A tradicional diferença de caracteres entre macho e fêmea não é devida a fatores congênitos, e sim, aos condicionamentos culturais a que o indivíduo é forçado no curso do seu desenvolvimento”.

No caso do Efeito Lolita, Durham também faz uma abordagem demonstrando como a natureza não dita as regras no comportamento humano, sendo que a mídia destinada aos jovens é em boa parte dirigida por mulheres mas sujeitam-se à vontade maior do deus mercado. “O verdadeiro problema com o Efeito Lolita é que as garotas não têm controle sobre essa situação.” Ele consiste “numa fantasia masculina adulta.” E a mídia usa essa fase de descobertas das adolescentes inculcando-lhes ainda mais insegurança, simplesmente para vender mais produtos.

Durham deseja fornecer as ferramentas necessárias para se reconhecer e reagir de modo proativo. “Examinar com rigor o ‘Efeito Lolita’ permitirá desvendar os mitos que compõem o espetáculo da sexualidade das garotas na cultura pop convencional.” É muito comum em revistas na atualidade “a ninfeta com rosto de criança e curvas voluptuosas que posa de modo provocativo em capas de revistas. A sexualização das meninas nos ambientes aparentemente seguros, não realistas e fantasiosos da mídia e da publicidade age com o fim de legitimar, e até de tornar glamuroso, o uso da sexualidade das garotas para fins comerciais”, afirma.

As imagens difundidas pela mídia não são reais nem realizáveis; “corrigidas” por softwares de computador, essas imagens criam perfeições inexistentes. Páginas sempre acompanhadas de anúncios de produtos de beleza, entre outros. A mídia é tão persistente que a confusão fica ainda maior na cabeça das adolescentes e o apelo já é feito para crianças de até 8 anos de idade. Segundo Durham há brinquedos nos Estados Unidos da “Dança do Poste (uma dança erótica usada em cabarés) para meninas de 1 a 2 anos.

As meninas como objeto sexual

Há programas na tevê brasileira que apresentam mulheres de biquínis fio-dental, mostrando seus atributos físicos. Existe até um quadro num programa considerado de comédia que é chamado “a miss beleza interior”, ou seja pessoas que fogem do padrão caucasiano de beleza. Outros, supostamente menos incautos, mostram crianças muito pequenas, na imensa maioria meninas, imitando seus ídolos com roupas provocativas e com dança sensual.

O apelo sexual é tão presente que um certo programa “para mulheres” de manhã, da Rede Globo, levou duas jovens a andarem nas ruas de São Paulo, uma loira outra morena. A loira estilo Barbie e a morena apresentada como um tipo mais brasileiro. Elas andavam pelas ruas e a repórter ia perguntando aos homens qual era mais atraente. Tudo para justificar uma “matéria jornalística” sobre como manter a cintura fina.

Recentemente, a Associação Americana de Psicologia (APA, sigla em inglês) apresentou um relatório no qual afirma que a exposição em revistas, televisão, videogames, videoclipes, filmes, letras de música e internet, são nocivos para o desenvolvimento de garotas adolescentes.

Segundo a APA isso pode levar “à perda de auto-estima, depressão e anorexia”, entre outros aspectos. A pesquisadora Meenakshi Gigi Durham mostra que na mídia convencional já “não se diferencia mais anúncios de matérias jornalísticas”.

Cinco mitos para perpetuar a dominação

Em seu livro, Durham detecta cinco mitos nos quais a mídia se baseia para vender “produtos de beleza” e para apresentar as garotas como seres sexualizados que existem apenas para favorecer o sexo oposto, sem vontade própria e, pior ainda, sem valorizar nenhum outro aspecto das garotas a não ser o de serem sexies, sempre com o objetivo de agradar ao “olhar masculino”. E o pior: rebaixam cada vez mais a idade das garotas.

O primeiro mito é Se você tem, exiba. Este mito valoriza apenas a aparência sexy das meninas. “Chelsea, de 4 anos, elogia a aparência hot da amiga”, diz a autora, e acrescenta Lexi, 9 anos, veste uma camiseta do Pussycat Dolls com os dizeres “você não gostaria que sua namorada fosse ‘hot’ como eu?”. O mito então vê como “hot” (sexy) como a feminilidade ideal. Até em programas da Disney essa temática aparece como em Hannah Montana, destinados à jovens pré-adolescentes.

Para Durham “as mensagens sobre sexo que as garotas têm recebido por intermédio desses veículos de mídia, exploram a consciência sexual e a ansiedade que caracterizam os anos de adolescência e pré-adolescência.”

Uma pesquisa publicada no ano passado no Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissívei” apontou como emissoras mais assistidas a Rede Globo e a MTV, entre os jovens no período das 18 às 22 horas. Na pesquisa as duas emissoras de TV apresentam alto teor erótico nos seus programas e propagandas.

A volência sexual contra meninas

O segundo mito é Anatomia de uma deusa do sexo. O modelo visto como ideal para as garotas tem de ser magra, loira, cabelos longos, ao estilo da boneca Barbie. Para isso os publicitários chegam ao desplante de vender cremes para branqueamento de pele na África e na Ásia.

Também pretendem vender silicone para aumento do tamanho dos seios, entre diversos outros produtos. Segundo Durham até produtos proibidos nos países do Primeiro Mundo por ameaças à saúde, são vendidos no Terceiro Mundo. “As indústrias da moda, das dietas, dos exercícios físicos, dos cosméticos e da cirurgia plástica geram lucros anuais de bilhões de dólares”, afirma Durham, e confirma “a publicidade é a espinha dorsal da mídia”.

No terceiro mito As garotas bonitas, “em 2007, uma garota de 12 anos chamada Maddison Gabriel causou frisson no desfile de moda Gold Coast, da Austrália”. Um noticiário da emissora norte-americana ABC afirmou que Gold teve inspiração em Lolita. Um blogueiro observou, com cinismo indisfarçável: “crianças também conseguem ser ‘hot’”.

A cantora “Britney Spears, aos 16 anos, exibiu-se movimentando-se de modo ostensivo, vestida com um uniforme de escola católica e rabo de cavalo de menininha, em seu primeiro vídeo musical”. Para Durham a roupa clássica de Lolita é o ”leitmotiv predileto da pornografia infantil”.

Em maio a apresentadora Xuxa foi saudada pela mídia por aparecer ladeada por duas jovens gêmeas negras, de 14 anos, desfilando com pouca roupa e, segundo a mídia, tornou-se espécie de madrinha das meninas para tornarem-se modelos. Essa carreira tem sido apresentada em novelas e programas de tevê como ideal para as “meninas bonitas”. Só não falam dos problemas dessa profissão, nem de como as meninas que supostamente não são assim tão “bonitas” devem fazer? Resta a frustração apenas.

Ser violento é sexy é o quarto mito definido pela escritora. Em diversos filmes, a violência sexual contra garotas é apresentada como natural e punitiva. Nesses filmes tanto as garotas “boas” quanto as “más” são assassinadas com o mesmo prazer.

Uma série de filmes de terror, muito apreciada por jovens, Sexta-feira 1, apresenta as garotas que fazem sexo como libertinas que, portanto, devem ser severamente punidas, da mesma forma que os garotos viciados em drogas. O mais pesado, porém, se dá contra as meninas. É a mão de Deus punindo os pecadores.

“Praticamente a cada vez que há uma cena de relação sexual, em que são mostradas longas cenas com garotas adolescentes seminuas, o matador mascarado ataca.” O filme American Pie, apresentado como de libertação sexual, mostra as meninas como instrumentos do sexo e meros objetos a serem usados pelos meninos. No videogame da série Grand Theft Auto os jogadores têm oportunidade de estuprar, espancar e assassinar prostitutas.

Também peças publicitárias apresentam a violência contra mulher como sexy. “As imagens de violência contra as mulheres estão em toda a parte: nos outdoors, nas revistas, na televisão. Um anúncio da Dolce & Gabbana exibe um homem fazendo sexo com uma mulher, enquanto outros homens estão parados em pé, assistindo. A cena sugere um estupro sendo praticado por uma gangue. No anúncio, a modelo é bonita, tem olhar ardente e aparenta estar excitada. O estupro pela gangue é implicitamente justificado”, afirma Durham.

Outro anúncio da Cesare Paciotti “mostra um homem pisando sobre o rosto de uma bela mulher que usa batom vermelho.”

O quinto mito criado pela mída é do que os rapazes gostam. As revistas feitas para meninas invariavelmente dizem que os “rapazes sabem muito a respeito das garotas” e também sabem muito bem o que querem, ao contrário das garotas que não sabem nada, portanto, precisam aprender a satisfazer os desejos dos garotos... com a mídia.

As revistas “ensinam” as meninas a serem atraentes. Manchetes do tipo estampados pela revista norte-americana Seventeen mostram isso claramente: “Experimente esse visual, testado por garotas e aprovados por rapazes”, formam a essência desse mito.

Controlar a volúpia da mídia

“Temos de aprender a ter controle sobre a mídia e a usá-la de modo que melhore nossa vida, em vez de lhe dar total liberdade de ação tanto no espaço público quanto no privado”, afirma Durham. Ela diz ainda que o marketing das empresas está transformando as crianças pequenas em “iscas de sexo”.

Por isso, para ela “a sexualidade deve ser protegida, as pessoas devem ter controle sobre ela, livres de qualquer violência ou coerção. As garotas devem ser amparadas social e culturalmente, de modo que contribua como seu desenvolvimento sexual e o seu bem-estar.”

“O Efeito Lolita está presente nas revistas para adolescentes, nos programas de tevê, nos shopping centers, na pornografia e nas ruas. Às vezes é difícil distinguir uma imagem da outra”, afirma Durham. Ele age dentro de um contexto corporativo e comercial. Em razão disso, não há ética em jogo: “ele é movido pela busca do lucro”.

Principalmente porque a parte mais promíscua e violenta sobra para as meninas pobres que, sem dinheiro para comprar os tais produtos milagrosos e se tornarem “sexies”, tornam-se presas fáceis para a face mais cruel desse contexto: o tráfico sexual de crianças. O Departamento de Drogas e Crimes da ONU descreve o tráfico sexual de crianças como a atividade criminosa de maior expansão no mundo.

“Em certo sentido, o Efeito Lolita superestima e subestima o sexo, ao mesmo tempo: ele dá uma ênfase excessiva à necessidade das garotas de ser sexies, mas não leva o sexo suficientemente a sério a ponto de lhes fornecer informações adequadas sobre como lidar com ele na vida real”, diz Durham. Por isso, ela defende a inclusão do “uso crítico da mídia” na grade curricular “desde o período da pré-escola até o final do ensino secundário”.

* Marcos Aurélio Ruy é jornalista

A saudade do servo na velha diplomacia brasileira





Leonardo Boff
Teólogo

O filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o opressor hospeda em si oprimido e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor mas o cidadão livre.

Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático"(24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais:"Sucursal do Império" pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.

As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado-agregado como é Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.

O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições .

O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.

A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula