Votar Bem

Representação política não é emprego para ninguém
João Batista de Oliveira Rocha - Advogado
Desta vez, não vou votar em amigo ou em indicação de amigo. Vou votar em candidato de meu bairro, que tenha compromisso com meu bairro, que seja filiado a uma associação de meu bairro e que se disponha a ser fiscalizado e a prestar contas a nós, eleitores. Chega de votar irresponsavelmente, em qualquer um, só porque foi meu colega de escola, trabalhou comigo na repartição, é meu companheiro de clube, foi indicado por um amigo comum, é ou foi meu vizinho. E mais: não vou votar em candidato a vereador porque é radialista, ou apresentador de televisão, ou é padre ou pastor evangélico. Não votar em candidato apenas porque é atleticano, cruzeirense ou americano. Não. Vou votar em quem tem ideais, em quem tem compromissos com a comunidade a que pertence e à qual deve servir. E mais, meu candidato deve ser comprovadamente honesto e ter “ficha limpa”.

Não quero candidato que foi isso mais aquilo. Quero candidato que seja isso e aquilo, isto é, que seja capaz, que seja preparado para o cargo que deseja disputar, que seja honesto, que queira me representar com dignidade e competência. Por que continuar a ser enganado? A maioria absoluta dos candidatos só tem compromissos consigo mesmo. Quer é “tirar o pé da lama”, quer é “encanar a perna”, como se dizia antigamente. Isto é, quer é “se arrumar”. Essa maioria encara o cargo de vereador como um cargo público qualquer, que lhe garante proventos no fim do mês, que lhe permite arranjar empregos para seus parentes ou apaniguados e nada mais. Pouco se importa, depois de eleito, com as promessas que fez e que levaram muitos a votar nele. Não é possível mais continuarmos a ser enganados. Vamos reagir já, nesta eleição.

Vereador tem a ver com a cidade, com o bairro onde você mora. Entre, portanto, em contato com sua associação de bairro. Conheça quem está realmente engajado na luta pela solução dos problemas de seu bairro: segurança, trânsito, obras viárias, obras sociais. Será sempre pessoa mais perto de você, a quem você ou sua associação poderão procurar para cobrar as promessas de campanha, exigir obras que melhorem sua qualidade de vida no bairro. Não vote nos oportunistas. Não vote nos políticos profissionais que pensam que somente eles têm solução para os problemas comunitários. Não vote em quem é político por tradição, passando de pai para filho o direito de representar os cidadãos, quando, quase sempre, só representam seus próprios interesses ou da oligarquia de onde se originam.

Vamos dar um “basta” a este tipo de política. Para isso, a gente começa é de baixo, da eleição mais simples e mais próxima de nós, de nossos interesses, dos bairros em que moramos. Representação política não é emprego para ninguém. É múnus, é tarefa, é encargo, é compromisso com o trabalho para a comunidade. Este tem de ser nosso norte na escolha de nossos candidatos. Ou comecemos agora ou vamos continuar a nos lamentar sempre e ter vergonha dos representantes que temos.

Checar e-mail com muita freqüência pode ser sinal de estresse, diz estudo

Computador e mouse
Estudo analisou hábitos das pessoas de checar e-mails
Um estudo feito por cientistas britânicos afirma que pessoas que checam seus e-mails com muita freqüência podem estar sofrendo de estresse.

O estudo de pesquisadores de universidades da Escócia – um matemático, uma técnica em informática, e um psicólogo – classificou os usuários em três categorias: relaxados, orientados e estressados.

Os "estressados" se sentem pressionados a responder todos os e-mails na medida em que eles chegam e não usam o correio eletrônico como um instrumento útil para a vida pessoal e para o trabalho.

Os "relaxados" olham o e-mail quando bem entendem e não se deixam pressionar por pessoas que estão distantes. Já os "orientados" sentem alguma necessidade de usar o e-mail, sempre respondem às mensagens imediatamente e esperam o mesmo das outras pessoas.

Auto-estima e controle da vida

A pesquisa foi feita com questionários respondidos por 177 pessoas – a maioria em profissões acadêmicas ou que envolvem comunicação e criatividade. Nestas atividades, que em geral requerem bastante concentração, o e-mail tem potencial para ser uma grande fonte de distração.

Entre os entrevistados, 64% disseram checar seus e-mails pelo menos uma vez por hora e 35% afirmaram que olham o correio eletrônico a cada 15 minutos. No entanto, os cientistas acreditam que a freqüência pode ser ainda maior, já que outras pesquisas mostram que muitas pessoas nem percebem mais o ato.

O estudo também analisa a influência que a auto-estima e o controle sobre a própria vida têm nos hábitos de ler e-mails, usando escalas definidas pela psicologia tradicional.

A pesquisa indica que muitas das pessoas que disseram ter pouco controle sobre a própria vida estão na categoria dos "estressados" com e-mail.

Já a baixa auto-estima é uma característica mais presente entre os "orientados", aqueles que sentem alguma pressão a olhar seus e-mails.

A pesquisa cita outro estudo feito em 2001, que mostra que, após pararem suas atividades para ler um e-mail, as pessoas demoram, em média, 1 minuto e 4 segundos para lembrar o que estavam fazendo.

"Enquanto essa contínua mudança pode parecer benéfica em termos de se conseguir administrar atividades múltiplas, aumentando assim a produtividade, o lado ruim disso é que o ritmo acelerado de trabalho pode ter efeitos negativos na saúde", diz a pesquisa dos cientistas britânicos.

"Existe muita evidência que esse ritmo acelerado está ligado ao estresse."

Dignidade humana



por Eduardo Bomfim*

Muito interessante o ensaio, publicado em Carta Maior, do Professor Samuel Pinheiro Guimarães, embaixador e secretário geral do Ministério das Relações Exteriores. O professor Samuel procura explorar questões candentes da atualidade tais como a nação, nacionalismo e o Estado.


Mas o que me chamou a atenção em seu texto é precisamente a abordagem sobre os novos conceitos ideológicos que emergiram, ou tomaram feições mais definidas, no início deste século 21.

Ele afirma que a sociedade atual se caracteriza pela concentração de riqueza e poder, pela transformação tecnológica acelerada, instabilidade social, ansiedade e frustração individual, fundamentalismo religioso, e a fuga da realidade através das drogas pesadas.

Quer dizer, apesar do crescimento econômico as desigualdades sociais não só permanecem, mas avançam, os espetaculares avanços científicos e tecnológicos em todas as atividades humanas não beneficiam as maiorias. Proliferam duvidosos cultos religiosos, tornando-se uma tendência mundial as seitas fundamentalistas, sectárias e agressivas. Nesse quadro de confusão e perplexidade, surge o fenômeno de frustração e ansiedade dos indivíduos como uma síndrome generalizada.

Não é à toa que o jovem e falecido compositor Cazuza, com o seu reconhecido talento, disse: ideologia, eu quero uma para viver. Essa frase transformou-se em um grito de toda uma geração nos recentes anos oitenta do século passado.

Na verdade, não se trata da ausência de crenças, cultura, tradições e instituições na sociedade contemporânea, mas o caráter asfixiante e negativista, destrutivo mesmo, dos valores que compõem a estrutura ideológica dominante, difundida maciçamente através dos oligopólios de comunicação que condicionam os valores da sociedade.

Encontra-se o cidadão médio comum quase que totalmente confuso, perplexo e principalmente conformista, com a nítida sensação de impotência. Como atenuante a tanto desconforto imposto, propaga-se o endeusamento ao corpo, a sociedade do indivíduo como espetáculo. Combatem-se a cultura do saber e do espírito, a luta pelas grandes causas do seu país ou da humanidade. É a difusão da apostasia como forma de viver.

É fundamental compreender que tudo isso é transitório, fruto de uma ideologia insana do lucro. Que é essencial, e possível, lutar por elevadas aspirações humanas, pelo seu país e uma vida digna, plena de justiça social.




*Eduardo Bomfim, Advogado

RENEGADO : A Voz do Morro

Bárbara Dutra/Divulgação
O rapper renegado se apresenta.
Renegado: este nome representa um grito contra os estigmas que costumam associar as periferias à violência. Aos 26 anos, o rapper belo-horizontino, nascido e criado, com orgulho, no Alto Vera Cruz, se orgulha de ter contrariado as estatísticas. “Eu tinha tudo para ter dado errado na vida, mas fui pelo caminho certo”, afirma Renegado, mais conhecido pelo apelido do que pelo nome de batismo, Flávio de Abreu. Desde cedo, o cantor se envolveu com as artes, através, principalmente, das batidas do hip hop. Junto com amigos da comunidade, fundou o grupo NUC – Negros da Unidade Consciente – e a ONG homônima que tem levado aos jovens do bairro a oportunidade de se desenvolver por meio das artes. Agora, ele dá outro passo adiante, com o lançamento de Do Oiapoque a Nova York, seu primeiro disco em carreira solo. Hoje, às 20h, na Serraria Souza Pinto, o rapper apresenta ao vivo o resultado do trabalho, que mistura o rap, gênero nascido nos Estados Unidos, com ritmos legitimamente brasileiros.

No domingo, a partir das 16h, o rapper retribui a força que sua comunidade sempre lhe deu com um evento especial que vai promover no Alto Vera Cruz uma audição exclusiva do álbum, exibição do documentário Freestyle – um estilo de vida e rodas de break. Renegado convidou representantes do samba e até da música cubana para participar do disco.

Mesmo sem ter planejado, Renegado reconhece que virou referência para jovens que têm histórias de vida parecidas com a dele. “Nunca trabalhei para isso, mas a minha trajetória acabou inspirando a molecada. Acho que isso tem a ver com a minha verdade, com a verdade da minha comunidade. São essas coisas que quero passar ”, afirma.

SERVIÇO

RENEGADO
Onde: Serraria Souza Pinto (Avenida Assis Chateaubriand, 809
Quando: Hoje, às 20h
Ingresso: Entrada franca
Informações: 3213-3434

De bois-de-piranha, idiotas úteis, esquerdopatas, comunalha e assemelhados


Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita ainda não entenderam o que se passou no país

Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita ainda não entenderam o que se passou no país


27/08/2008


Editorial ed. 287


Depois do lamentável espetáculo do Clube Militar, na tarde de 7 de agosto, cuja repercussão só serviu para desabonar e expor ao ridículo seus organizadores e partícipes (além, é claro, do ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim, que o permitiu), os setores mais renitentes da Reserva das nossas Forças Armadas passam a usar o expediente de uma associação, para prosseguir em suas arengas. Agora, é uma tal de Associação Nacional em Defesa da Democracia (ANDEC) quem surge conclamando as massas para encherem as ruas numa manifestação marcada para setembro, em São Paulo, contra a Impunidade e a Violência no país. De acordo com a entidade, eles aproveitarão “o mote utilisado (sic) para o chamamento às ruas”, e farão “duro discurso contra a desmoralização diuturna das nossas FFAAs” (sic).


O tom e os chavões da convocatória são de fazer inveja aos áureos momentos da guerra fria – tipo Guerra da Coréia ou a Crise dos Mísseis: “Chegamos ao limite do suportável (...) quando vemos a comunalha, enxovalhando e denegrindo nossas instituições, com o firme propósito de fincar essa bandeira desgraçadamente assassina, em solo brasileiro. Não (...) podemos deixar que o povo caminhe com os ouvidos tapados pelas cartilhas esquerdopatas, servindo de idiotas úteis aos interesses da camarilha”.



Há uma dificuldade em aprender com a própria experiência


Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita (especialmente os de pijama) decididamente ainda não entenderam o que se passou no país. O primeiro sintoma, neste sentido, é a idéia de que no pós-ditadura, os que a implantaram, que a geriram e garantiram, continuam “Os Vencedores”.


Nisto há algo de bufão, muito de bazófia e tudo de fanfarronice. Sobretudo quando essa insistente repetição, que soa como disco arranhado em vitrola quebrada, acontece meio à discussão da Lei de Anistia. E mais, da discussão também sobre a punição dos responsáveis pelas torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres, durante os anos que aqueles senhores reinaram soltos, cometendo todo tipo de arbítrio e desrespeitos aos direitos humanos.


Seria necessário que esses epígonos do golpismo se dessem conta de que não existem vitórias nem derrotas definitivas. Muitas vezes, ganha-se uma batalha mais ou menos importante aqui, perde-se outra mais adiante.

Senão, como explicar, por exemplo, que são os “eternos vitoriosos” (como se imaginam) que não podem contar em público o que fizeram durante aqueles anos? que são os “eternos vitoriosos” os que morrem de medo que sejam abertos os arquivos da ditadura? que são “os eternos vitoriosos” que não podem erguer a cabeça, e olhar firme, olhos nos olhos dos filhos e netos, quando surgem as verdades sobre o passado?


Esses senhores deveriam, pelo menos, se dar conta de suas palavras e, sobretudo, da sua correspondência ou não à realidade, à objetividade factual, para não descambarem para o cômico, o grotesco – o ridículo, enfim, enxovalhando desse modo as nossas Forças Armadas e sua imagem no país e no exterior.


O vosso tanque, meu general,

É um carro forte (...)

Mas tem um defeito,

precisa de um motorista”


Não se deram conta também, que não basta ter blindados, mísseis e submarinos nucleares e munição capazes de manter seis horas de batalha, para ganhar uma guerra. No caso desses senhores que hoje esperneiam, clamando pelos deuses e ameaçando inauditas vinganças (como se estivessem às vésperas de 64), é indispensável que entendam que, embora importante, não é suficiente ter armas: é necessário ter um programa político que dirija o golpe e, atrás de si, classes, amplos setores sociais organizados – isto é, base social. Talvez alguns deles sequer tenham se dado conta até hoje de que, usando a nova terminologia que acabam de lançar, eles sim, podem ter servido de “idiotas úteis” a um conjunto de classes que, depois de usá-los durante a ditadura (sobretudo para os papéis e tarefas mais sujos), com a redemocratização, esse mesmo conjunto de classes os abandonou à própria sorte, responsabilizando-os por uma “ditadura militar”, expressão que oculta a verdadeira natureza do regime implantado com o golpe, e os expõe (aos militares) enquanto bois-de-piranha, à execração da História.


Ou seja, seria necessário que o atual governo tivesse os inimigos que não tem, tanto em termos internos quanto no plano internacional, para que a nova aventura que parecem querer levar a cabo pudesse dar certo.


Mesmo tendo como ministro da Defesa o senhor Nelson Jobim, o atual governo é suficientemente forte em suas alianças pluriclassistas, para pouco se incomodar com tais arrufos patrioteiros do pessoal do pijama. Mas, apesar disto, não se justifica a decisão do presidente de manter em seu gabinete um ministro que, ao invés de botar ordem em seu Ministério, procura sempre se imiscuir em outras pastas, como um office-boy daqueles que deveria dirigir, em especial nas políticas do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que têm primado pela defesa intransigente da Constituição e de todo o arcabouço jurídico que conforma a atual República.


Aliás, conviria ao doutor Jobim, sempre de acordo com o que reza a nossa Carta Magna, observar mais o desempenho e a política do senhor Henrique Meirelles (Bank of Boston), frente ao Banco Central. De acordo com a nossa Constituição, além da obrigação de defendê-la, cabe às nossas Forças Armadas defender o país de invasões estrangeiras, garantindo a nossa soberania

Tropa de Elite


Diretor: se conhecesse risco, não faria filme


Com agência France Presse

“Se soubesse dos riscos que íamos correr, não teria feito o filme”, declarou o diretor brasileiro José Padilha, cujo filme Tropa de Elite, premiado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim, estréia na próxima semana na França. Tropa de Elite, que desencadeou desde sua apresentação no Festival de Berlim uma avalanche de polêmicas, narra as violentas ações de homens do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope) na luta contra o tráfico de drogas nas favelas da cidade, em contraste com uma polícia regular corrupta.

Ultraviolento e com ritmo vertiginoso, o filme recebeu a maior distinção de um dos principais festivais internacionais e fez um grande sucesso no Brasil, mas sua ambigüidade também suscitou críticas ásperas. A revista Variety o classificou inclusive de "celebração da violência" e de obra "de recrutamento de feras fascistas". Críticas que o diretor brasileiro rejeita: "Vincular o meu filme ao fascismo é ignorar o sentido dessa palavra. O fascismo é um movimento político totalitário cujo objetivo é controlar o Parlamento, os meios de comunicação, a educação. A Polícia do Rio não tenta controlar tudo, sua violência tem um objetivo totalmente diferente".

"Meu filme mostra que a violência no Brasil não é o resultado de uma guerra particular entre a Polícia e os líderes do tráfico, como pode ser visto no cinema. Meu filme é entendido como uma provocação porque mostra que toda a sociedade financia o tráfico, inclusive as classes médias quando decidem consumir drogas", acrescentou.

O diretor mencionou as dificuldades que enfrentou para realizar as filmagens. "É possível rodar em uma favela controlada por traficantes (é o caso de meu filme, como também os de Fernando Meirelles ou Walter Salles) quando eles autorizam. Há duas maneiras de obter essa autorização: ir aos chefes do tráfico ou às associações de moradores", explicou, acrescentando que a última alternativa "é mais arriscada, mas pode contribuir para reduzir a influência dos traficantes".

"É preciso tentar usar os moradores nas filmagens, ajudar projetos sociais, mas não dar dinheiro vivo, porque esse dinheiro acabará nos bolsos dos traficantes": essa foi a opção de Padilha, mas o diretor desaconselha outros a seguir seus passos. "Não recomendo o meu método, já que quatro colegas foram seqüestrados durante as filmagens e nosso material foi roubado. As gravações tiveram que ser interrompidas por duas semanas, e tivemos que encontrar favelas sem tráfico de drogas para continuar rodando", contou. "Hoje, quando penso no que aconteceu me digo que se soubesse dos riscos que íamos correr não teria feito o filme", ressaltou.

E tudo não terminou aí. Quando Tropa de Elite foi concluído, o Bope "tentou impedir a sua estréia", disse. "Tivemos sorte porque a Justiça decidiu rapidamente autorizar a exibição do filme", afirmou.

O diretor reconhece que o fato de ter sido premiado em Berlim ajudou a distribuição da obra no exterior, porém o mais importante para ele foi receber "o prêmio das mãos de Costa-Gavras". "Foi simbolicamente muito importante para mim, porque Costa-Gavras é um verdadeiro herói na América Latina, ele compreende o continente, e compreende o filme", disse.

Corações urbanos
Belo Horizonte recebe na Serraria Souza Pinto a 1ª Bienal Internacional de Grafite
Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press



“O bonito do grafite é poder
expressar o sentimento da
maneira que você
quiser, poder pintar com os
amigos. Alguns têm mensagens
políticas, de protesto. A
minha é: ‘Espalhar amor e
energia positiva no mundo’”

Waleska Nomura (SP)


Quem for amanhã à Serraria Souza Pinho, o amplo espaço cultural situado bem debaixo do viaduto de Santa Tereza, deve se prepara para curtir o que talvez seja a mais contundente mostra de arte já realizada na capital de Minas Gerais, a 1ª Bienal Internacional de Grafite de Belo Horizonte. São dezenas de obras monumentais, vibrantes, de batimento urbano e impactante força visual. Realizadas, basicamente, esta semana, especialmente para o evento, por artistas brasileiros e de outros países. Gente com nomes que parecem de DJs – Hyper, Acme, Lance, Dninja, Trampo entre outros, que pinta tanto sozinha quanto em duplas e equipes. E por diversão – adoram arte como gostam de hip-hop e skate, por sinal, berços também da manifestação que abraçaram. E que, de spray na mão, realizaram uma façanha: levaram a pintura para as ruas, fazendo com que seja de todos a arte que era de poucos.

“É gente de talento, que não vem de elites econômicas, culturais ou religiosas, mas das periferias abandonadas e que, rompendo estruturas acadêmicas, correndo o risco de ser tido como marginal, está fazendo arte com soluções estéticas extremamente novas e com conteúdo ético”, afirma Rui Santana, artista plástico, curador e idealizador da bienal. Há mais de uma década, ele anda às voltas com oficinas e divulgação do pessoal que conheceu por meio do projeto Arena da Cultura. A programação principal é formada por quatro mostras: Módulo histórico, história do grafite desde a pré-história até os dias de hoje; Diálogos híbridos, obras que são produto de parceria entre artistas acadêmicos e grafiteiros; A grande arte, o grafite como arte contemporânea; e Arte de rua, objetos e derivações, grafites sobre carros, camas, máquinas, objetos eletrônicos etc.

O evento reúne artistas do mundo inteiro.

A programação do evento é ampla. Para quem quer conhecer melhor o universo de onde emerge o grafite, Rui Santana recomenda duas palestras: “Arte marginal e nova estética” e “O grafite como identidade do século 20 e 21. E tem, todas os dias, shows com muitos artistas interessantes”, conta Rui Santana.

1º BIENAL INTERNACIONAL DE GRFITE DE BELO HORIZONTE

AMANHÃ, a partir das 16h, na Serraria Souza Pinto, Av. Assis Chateaubriand, 809, Floresta. Até dia 7 de setembro, das 9h à meia-noite. Entrada franca. Informações: www.bigbh.com.br.

SHOWS – Amanhã, 21h, Renegado, Aline Calixto, DJ Spider e VJ Natan; domingo, 18h, Titios do Samba, Julgamento, DJ Yuga/VJ Gtonsegunda; dia 1º/9, 20h30, Negras Ativas, Nós Pega e Faz; dia 2/9, 20h30, Coletivo Dinamite, DejaVuh; dia 3/9, 20h30, Retrato Radical, Quarteirão do Soul; dia 4/9, 20h30, Casa B, LealSoundSystem, VJ Natan; dia 5/9, 20h30, Duelo de MC’s, Black Sonora, VJ Gton; dia 6/0, 21h, Manolos Funk, Júlia Ribas e DJ Renatito, DJ Fausto / VJ Natan; Dia 7/9, 18h, E2, U-Gueto, DJ Alex C/VJ Gton.

SEMINÁRIOS – O novo muralismo e suas abordagens históricas, dia 1º/9; Criatividade, grafite e cidadania, dia 2/9; Grafite, design, publicidade e arquitetura, dia 3/9; Grafite como identidade do século 20 e 21, dia 4/9; Vandalismo, arte marginal ou nova estética?, dia 5/9. Mesas-redondas sempre às 16h.

O coronelismo eletrônico evangélico

por Venicio A. de Lima*

Na Constituinte de 1987-88, ao contrário de todos os outros temas, o capítulo da Comunicação Social só logrou ser "rascunhado" na Comissão de Sistematização e somente ganhou forma definitiva por acordo de plenário. As normas constitucionais finalmente aprovadas sacramentaram bandeiras defendidas por radiodifusores e representantes de igrejas evangélicas, sobretudo no que se refere ao processo de concessão, renovação e cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão.


A ação coordenada dos interesses da "bancada da comunicação" articulada a parlamentares evangélicos está identificada no artigo "Comunicação na Constituinte: a defesa de velhos interesses" [não disponível online], que publiquei no primeiro número do Caderno CEAC/UnB, ainda em agosto de 1987. Àquela época, no entanto, não estava claro que a Constituinte viria a se constituir no ponto de referência para a atuação e o crescimento de representantes das igrejas evangélicas no Congresso Nacional e, sobretudo, para o avanço significativo de diferentes denominações evangélicas como concessionárias de emissoras de rádio e televisão no país.

A participação de igrejas no sistema de comunicações e na política vem, gradativamente, merecendo a atenção de analistas e pesquisadores. A tese de doutorado defendida há pouco no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) pelo cientista político Valdemar Figueredo Filho, com o título "Os três poderes das redes de comunicação evangélicas: simbólico, econômico e político", é mais uma contribuição ao entendimento de parte importante das relações entre religião e mídia no nosso país.

O argumento principal do trabalho de Figueredo Filho é que "a representação política evangélica é o mesmo que representação das redes de comunicação evangélicas" e "nem mesmo os supostos valores morais comuns ao grupo religioso conseguem o grau de coesão alcançados pelos interesses relacionados à formação, manutenção e expansão de suas redes de comunicação". No contexto legal que regula a concessão, renovação e o cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão no Brasil, isso significa a manutenção de um tipo particular de coronelismo eletrônico, agora o evangélico.

Bases do coronelismo eletrônico evangélico

A representação evangélica no Congresso Nacional (ver Quadro 1) tem aumentado na medida em que também aumenta o percentual de evangélicos no total da população brasileira. Dados apresentados por Figueredo Filho para o ano de 2000 indicam que esse percentual já atingia 15,6% contra apenas 9%, em 1990. Em relação à representação política, no entanto, há uma diferença fundamental. Se até o fim da década de 1980 ela era composta, sobretudo, por usuários do rádio e da televisão (a chamada "igreja eletrônica"), a partir de então ela passou a ser principalmente de concessionários deste serviço público.

O levantamento realizado por Figueredo Filho, apoiado em informações da Anatel e da Abert, até março de 2006 revela que 25,18% das emissoras de rádio FM e 20,55% das AM nas capitais brasileiras são evangélicas (ver Quadros 2 e 3). Há de se notar, no entanto, que as denominações pentecostais são as que controlam o maior número de concessões, destacando-se a Igreja Universal do reino de Deus (IURD) entre as FM (24) e da Igreja Assembléia de Deus (IAD) entre as AM (9).

Em relação à televisão, além do grande número de programas evangélicos que é transmitido por emissoras de TV abertas, existem também redes cujas entidades concessionários são igrejas. E, sobretudo, existe um grande número de retransmissoras (RTVs) controladas diretamente por igrejas (Quadro 4, com dados anteriores a setembro de 2007).

A criação de uma Frente Parlamentar Evangélica (FPE), em 2003, formaliza a articulação dos interesses evangélicos no Congresso Nacional. Estes são defendidos através da participação de seus membros nas comissões de Comunicação tanto na Câmara quanto no Senado e nas votações das proposições legislativas em plenário.

Fundada por iniciativa do deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), membro da IAD, a FPE é atualmente presidia pelo deputado pastor Manoel Ferreira (PTB-RJ), principal líder da IAD da Convenção Madureira. O Quadro 5, organizado por Figueredo Filho, mostra a composição atual da FPE.

Serviço público ou proselitismo religioso?

A tese de Figueredo Filho demonstra que, a exemplo do que ocorre também em relação às outorgas de rádios comunitárias [ver, neste Observatório, "Rádio comunitárias – Coronelismo eletrônico de novo tipo"], número expressivo das concessionárias das emissoras de rádio e televisão (aberta) e RTVs está vinculado a entidades religiosas. E mais ainda: seus representantes são atores políticos que atuam de forma articulada no Congresso Nacional nas questões referentes às políticas públicas de comunicação e na formação, manutenção e ampliação da suas redes de rádio e televisão.

Obviamente os evangélicos não são o único grupo religioso concessionário do serviço público de radiodifusão. E a utilização de concessões públicas não é a única forma de atuação de grupos religiosos na mídia.

A questão que precisa ser discutida, no entanto, é se um serviço público que, por sua própria natureza, deve estar "a serviço" de toda a população pode continuar a atender interesses particulares de qualquer natureza – inclusive ou, sobretudo, religiosos.




*Venicio A. de Lima, Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília. Autor/organizador, entre outros, de ''A mídia nas eleições de 2006'' Editora Fundação Perseu Abramo - 2007

Primeira Bienal Internacional De Grafite de BH

Arte viva

Começa amanhã na Serraria Souza Pinto a 1ª Bienal Internacional de Grafite de Belo Horizonte. Evento reúne artistas brasileiros e estrangeiros, em programação que inclui shows e seminários
Walter Sebastião
Beto Novaes/EM/D.A Press
O artista Marcelo Gud em ação: trabalhos monumentais fazem parte das mostras da Bienal de Grafite
Quem for amanhã à Serraria Souza Pinho, o amplo espaço cultural situado bem debaixo do Viaduto de Santa Teresa, prepare-se para curtir o que talvez seja a mais contundente mostra de arte já realizada na capital de Minas Gerais, a 1ª Bienal Internacional de Grafite de Belo Horizonte. São dezenas de obras monumentais, vibrantes, de batimento urbano e impactante força visual. Realizadas, basicamente, esta semana, especialmente para o evento, por artistas brasileiros e de outros países. Gente com nomes que parecem de DJs – Hyper, Acme, Lance, Dninja, Trampo, entre outros, que pinta tanto sozinha quanto em duplas e equipes. E por diversão – adoram arte como gostam de hip-hop e skate, por sinal, berços também da manifestação que abraçaram. E que, de spray na mão, realizaram uma façanha: levaram a pintura para as ruas, fazendo com que seja de todos a arte que era de poucos.

É gente de talento, que não vem de elites econômicas, culturais ou religiosas, mas das periferias abandonadas e que, rompendo estruturas acadêmicas, correndo o risco de ser tida como marginal, está fazendo arte com soluções estéticas extremamente novas e com conteúdo ético”, afirma Rui Santana, artista plástico, curador e idealizador da bienal. Há mais de uma década ele anda às voltas com oficinas e divulgação do pessoal que conheceu por meio do projeto Arena da Cultura. A programação principal é formada por quatro mostras: Módulo histórico, história do grafite desde a pré-história até os dias de hoje; Diálogos híbridos, obras que são produto de parceria entre artistas acadêmicos e grafiteiros; A grande arte, o grafite como arte contemporânea; e Arte de rua, objetos e derivações, grafites sobre carros, camas, máquinas, objetos eletrônicos etc.

A programação do evento é ampla. Para quem quer conhecer melhor o universo de onde emerge o grafite, Rui Santana, recomenda duas palestras: “Arte marginal e nova estética” e “O grafite como identidade dos séculos 20 e 21”. Ambas parte de seminário cujo tema são as relações entre grafite, criatividade e cidadania. “E tem, todas os dias, shows com muitos artistas interessantes. É nosso desejo ampliar o diálogo do grafite com outras linguagens”, conta Rui Santana, brincando que se trata praticamente de festival paralelo ao evento.

Para o curador, o que está explícito ou implícito no grafite são questões não discutidas do cotidiano: “A desumanidade da nossa sociedade, os dramas do abandono, o descaso com a autopreservação, a necessidade de consciência ecológica planetária, questões que foram colocadas diretamente na rua, sem pedido de autorização a ninguém”. E vai além: “O grafite é o primeiro movimento mundial da história da arte. Ele tem dimensão planetária, porque vem movido por grande força criativa”. Rui identifica neste elemento a energia que vaza todas as barreiras. Trata-se, segundo ele, de proposta que praticamente promove o renascimento da pintura depois do hiato criado pela ênfase da produção recente em instalações e na arte conceitual.

“É algo muito original”, avisa. E que introduz nova técnica (o uso do spray), rompe com suporte tradicional (a tela) e trabalha em escalas urbana. “É prática que dialoga com as vanguardas, com a modernidade, carregada de flashes de vários movimentos artísticos”, completa, citando, como exemplo, a pop-art, o expressionismo, o abstracionismo, o futurismo e o hiper-realismo. O hábito de criações em equipe é “quase contramão do individualismo”, praticado por gente que cresceu e adora computadores.

DIVERSIDADE

O paulista Binho Ribeiro tem 37 anos, 24 deles dedicados ao grafite. É também curador da bienal. Já grafitou em vários países, edita revista especializada sobre o assunto, e tem grife de roupas chamada 3º Mundo. Como ele explica, na seleção dos participantes priorizou-se a diversidade de estilos e representação geograficamente ampla. Valorizaram-se, ainda, lideranças regionais do movimento, de modo que possam levar a experiência mineira para onde atuam. “A Bienal de Grafite é oportunidade de ver, num único lugar, arte que existe por toda a cidade. E de conhecer os artistas”, acrescenta. Com relação à produção brasileira, conta que ela tem “improviso, liberdade de técnicas e estilos próprios”, elementos que chamam a atenção de olhares estrangeiros. O futuro do grafite? “Crescer, conquistando mais e novos espaços. E respeito de adolescentes que descobrem a função pessoal e social da arte”, conclui.

“A Bienal é demarcação do território e dos valores da arte urbana e do grafite e reunião de várias culturas. É oportunidade de a sociedade conhecer melhor o que fazemos. O grafite talvez seja a última manifestação expressiva da arte contemporânea. É arte bonita de ser vista. Vai ser, ainda, oportunidade de conhecer os grafiteiros, que são artistas meio invisíveis, já que ninguém os vê pintando”.
Lance e Rivas (DF)

“A importância da Bienal é reunir grafiteiros de todas as partes do Brasil, criando oportunidade de nos conhecermos e lutar pela nossa arte. O bonito do grafite é poder expressar o sentimento da maneira que você quiser, poder pintar com os amigos. Alguns têm mensagens políticas, de protesto. A minha é: ‘Espalhar amor e energia positiva no mundo’”.
Waleska Nomura (SP)

1ª BIENAL INTERNACIONAL DE GRAFITE DE BELO HORIZONTE

Amanhã, a partir das 16h, na Serraria Souza Pinto, Av. Assis Chateaubriand, 809, Floresta. Até dia 7 de setembro, das 9h à meia-noite. Entrada franca. Informações: www.bigbh.com.br.

SHOWS

Amanhã, 21h, Renegado, Aline Calixto, DJ Spider e VJ Natan; domingo, 18h, Titios do Samba, Julgamento, DJ Yuga/VJ Gtonsegunda; dia 1º/9, 20h30, Negras Ativas, Nós Pega e Faz; dia 2/9, 20h30, Coletivo Dinamite, DejaVuh; dia 3/9, 20h30, Retrato Radical, Quarteirão do Soul; dia 4/9, 20h30, Casa B, LealSoundSystem, VJ Natan; dia 5/9, 20h30, Duelo de MC’s, Black Sonora, VJ Gton; dia 6/0, 21h, Manolos Funk, Júlia Ribas e DJ Renatito, DJ Fausto / VJ Natan; Dia 7/9, 18h, E2, U-Gueto, DJ Alex C/VJ Gton.

SEMINÁRIOS

O novo muralismo e suas abordagens históricas, dia 1º/9; Criatividade, grafite e cidadania, dia 2/9; Grafite, design, publicidade e arquitetura, dia 3/9; Grafite como identidade dos séculos 20 e 21, dia 4/9; Vandalismo, arte marginal ou nova estética?, dia 5/9. Mesas-redondas sempre às 16h.

Discurso Pronunciado por Martin Luther King em 28 de agosto de 1963

Pablo Martinez/AP-22/8/03
"Estou feliz de estar com vocês neste dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, sob cuja simbólica sombra estamos hoje, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como uma luz de esperança para milhões de escravos negros que haviam sofrido nas chamas da injustiça. Um decreto que veio como a alvorada de uma longa noite do cativeiro em que padeciam.

Cem anos se passaram e o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda é tristemente paralisada pelas algemas da segregação e as cadeias da discriminação. Cem anos depois, o negro vive solitário em uma ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda desfalece à margem da sociedade americana e se encontra exilado na sua própria terra. Desse modo, estamos aqui para expor essa vergonhosa condição.

De certo modo, viemos à capital de nossa nação para cobrar uma dívida. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, estavam assinando uma promissória da qual todo americano seria herdeiro. Essa nota era uma promessa de que todos os homens, sim, os homens negros, bem como os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade.

Hoje, é óbvio que aquela América não apresentou essa nota promissória. Em vez de honrar a obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou estampado com a expressão "saldo insuficiente". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça está falido. Nos recusamos a acreditar que não haja capital suficiente no cofre de oportunidades desta nação. Assim, viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar sagrado para recordar a América dessa cruel e atual urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou engolir o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora, é o tempo de transformar em realidade as promessas de democracia. Agora, é o tempo de deixar o escuro e desolado vale da segregação rumo ao ensolarado caminho da justiça social. Agora é o tempo de erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade. Agora é o tempo de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência do momento. Este verão sufocante do descontentamento legítimo dos negros não passará até termos um outono renovador de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Os que acreditam que o negro precisava de alívio e agora está contente terão um despertar incômodo se a nação continuar agindo da maneira como sempre se comportou. Não haverá descanso nem tranqüilidade até que o negro obtenha seus direitos de cidadania. Os ventos da revolta continuarão a sacudir as fundações da nossa nação até que nasça o brilhante dia da justiça.

Mas há algo que preciso dizer ao meu povo que se encontra na entrada do palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar legítimo, não devemos ser culpados de erros que foram cometidos. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio.

Sempre temos de conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente, temos de subir às majestosas alturas para reunir força física com a força da alma. A maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade negra não deve nos levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, porque muitos de nossos irmãos brancos, como podemos comprovar pela presença deles aqui, percebem que o destino deles está atado ao nosso destino. Eles percebem que a liberdade deles está inextrincavelmente ligada à nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só.

Enquanto caminhamos, devemos assegurar que sempre marcharemos à frente. Não podemos retroceder. Há os que perguntam aos combatentes pelos direitos civis: "Quando é que vocês estarão satisfeitos?" Não estaremos nunca satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter uma cama nos hotéis das estradas e das cidades. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for de um gueto menor para um maior. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto for negada auto-estima às nossas crianças e sua dignidade roubada por placas dizendo “Somente para brancos”. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto um negro do Mississipi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão corram abaixo como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não desconheço que alguns de vocês vieram até aqui depois de grandes provações e sofrimentos. Alguns de você saíram há pouco tempo de celas apertadas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca pela liberdade lhes deixaram marcas das tempestades das perseguições e dos ventos de brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé de que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as favelas e guetos de nossas cidades do Norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixem cair no vale de desespero.

Hoje digo a vocês, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades atuais e de amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos: que os homens nascem iguais.

Eu tenho um sonho de que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho de que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, com o calor da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho de que meus quatro pequenos filhos vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Eu hoje tenho um sonho!

Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas perversos, com seu governador de cujos lábios escorrem palavras de intromissão e negação; um dia nesse mesmo Alabama, meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos.

Eu hoje tenho um sonho!

Eu tenho um sonho de que um dia todo vale será exaltado e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares acidentados serão aplainados, os lugares tortuosos, endireitados, e a glória do Senhor será revelada e todos nós estaremos juntos.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que volto para o Sul. Com esta fé poderemos extrair da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a cadeia juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que seremos livres um dia.

Este será o dia em que todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.

‘Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.

Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,

De qualquer lado da montanha, deixe a liberdade soar!’

E se a América é uma grande nação, isto tem de se tornar verdadeiro.

Então, deixem a liberdade soar do topo da montanha de New Hampshire.

Então, deixem a liberdade soar das poderosas montanhas de Nova York.

Então, deixem a liberdade soar das alturas dos Alleghenies da Pennsylvania!

Então, deixem a liberdade soar das montanhas rochosas cobertas de neve do Colorado!

Então, deixem a liberdade soar das ladeiras curvas da Califórnia!

Mas não é só isso. Então, deixem a liberdade soar da Stone Mountain da Geórgia!

Então, deixem a liberdade soar das montanhas do Tennessee.

Então, deixem a liberdade soar em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, deixem a liberdade soar.

E quando isto acontecer, quando permitirmos a liberdade soar, quando deixarmos ela soar em todas as casas e vilarejos, em todo os estados e cidades, poderemos acelerar o dia em que todos os filhos de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras do antigo hino negro:

‘Enfim livres, enfim livres.

Agradeço ao Deus todo-poderoso, afinal somos livres.’

Íntegra do discurso pronunciado por Martin Luther King em 28 de agosto de 1963

Injustiça social mata pessoas’, diz OMS

Qualidade de vida

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que fatores sociais são os grandes responsáveis por variações severas de saúde e expectativa de vida das populações. Após três anos de investigações sobre as “determinantes sociais” da saúde, os especialistas concluíram que “injustiça social está matando pessoas em grande escala”.

Mostras disso seriam as diferentes expectativas de vida de habitantes de regiões próximas fisicamente, porém distantes economicamente. Um exemplo: espera-se que um garoto dos subúrbios de Londres viva 11 anos a menos do que um menino da mesma idade de um bairro nobre. Outra expectativa retirada da pesquisa: uma menina de Losotho, na África, deve viver 42 anos menos do que uma japonesa. Ou ainda: a chance de uma mulher morrer durante a gravidez ou parto é de 1 em 17.400 na Suécia e 1 em 8 no Afeganistão.

Os especialistas da OMS concluíram que, em quase todos os países, circunstâncias pobres equivalem a condições de saúde ruins. As diferenças encontradas foram tão marcantes que fatores genéticos e biológicos foram descartados, pois não poderiam explicar a relação.

“A combinação nociva de práticas, economias e políticas ruins é, em grande medida, responsável pelo fato da maioria das pessoas no mundo não gozarem de boa saúde”, afirma o estudo. O texto diz ainda que seria possível reverter o quadro em um período relativamente curto, bastando para isso que seriam necessárias correções severas.

“A mensagem central do relatório é que as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem são fundamentais para a saúde”, comentou Michael Marmot, coordenador da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde, da OMS, segundo reportagem da rede britânica BBC publicada nesta quinta-feira. “Temos apostado demais em intervenções médicas como forma de aumentar a expectativa de vida. Uma maneira mais eficiente de tratar disso seria fazer do acesso igualitário à saúde um parâmetro para a avaliação dos governos”.

O relatório aponta algumas questões-chave para combater o problema. Entre elas, estão educação, moradia, alimentação e seguridade social. Ele também diz que os governos deveriam garantir um rendimento mínimo necessário à sobrevivência de seus cidadãos.

Cinema : Sem Deixar a Bola Cair

Em Linha de passe, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, a realidade brasileira é sintetizada a partir da história de uma família da periferia da cidade de São Paulo
Sérgio Rodrigo Reis
Primeiro Plano/Reuters
A brasileira Sandra Corveloni, com trajetória conhecida no teatro, foi escolhida melhor atriz em Cannes

O cineasta Walter Salles tem uma teoria para explicar o Brasil que a diretora Daniella Thomas sempre repete: “No Brasil, a ficção tem que correr atrás, porque a realidade é inacreditável”. O filme Linha de passe, que repete a dobradinha dos dois na direção depois de produções como Terra estrangeira, ilustra bem a velha máxima. Por trás da história da uma família da periferia que tenta reinventar o próprio destino, a realidade nua e crua da metrópole se apresenta. Numa São Paulo de 19 milhões de habitantes, quatro irmãos buscam formas de sobrevivência à falta de perspectiva na vida. No centro de tudo está a empregada doméstica Cleusa (Sandra Corveloni), a matriarca que luta para mantê-los na linha. “A idéia central em Linha de passe é de que a bola não pode cair”, resume a diretora. Há outras variáveis em questão.

A intenção, desde o início do projeto, foi levar o espectador a acreditar que aquela família existe fora da tela. “Queríamos que as pessoas entrassem no filme de cara. Daí a opção por atores desconhecidos. Encaramos o processo com ajuda da Fátima Toledo (preparadora de atores)”, diz a cineasta. Os escolhidos passaram por quatro meses de treinamento para encontrar um tom mais natural para a narrativa. “É um filme que fala do cotidiano, algo difícil de realizar. Narrar essas situações exige simplicidade e profundidade. Não pode ser dramático, melodramático ou vazio. Foi um trabalho minucioso, quase um bordado”, compara a atriz Sandra Corveloni, escolhida como melhor atriz no último Festival de Cannes por esta atuação. O papel representou um desafio.

Sandra conquistou o personagem no início do processo de seleção. Sonho antigo da atriz, que até estrear no cinema tinha história bem-sucedida no teatro paulista. “Às vezes me pegava antes de dormir imaginando um dia fazer um filme que falasse da minha terra e fosse feito com gente bacana.” O projeto veio sob medida quando uma amiga realizou os testes e achou que Sandra poderia representar Cleusa, o eixo moral do filme. Não foi fácil o desafio. “No início, agia como se fosse irmã e, aos poucos, fui construindo essa mãe, me impondo a eles e fazendo-os acreditar em minha autoridade. Foi duro. Mas ninguém economizou nada.” O que arrebatou os críticos do mundo inteiro em Cannes, onde conquistou este ano o prêmio de melhor atriz, para ela, foi a entrega à personagem. “Esse mergulho apareceu. Sou protagonista tanto quando meus quatro filhos e a cidade de São Paulo. A Cleusa representa milhões de pessoas invisíveis que vivem nas grandes cidades.”

O que mais impressionou a equipe de filmagem em Cannes foi como os estrangeiros foram fisgados nos primeiros dois minutos de projeção e só largaram depois dos créditos. “Houve gente que disse que colocamos uma câmera escondida na vida daquela família”, cita Daniella. A afinidade com Walter Salles foi crucial para este resultado. “A escrita do cinema não parece complexa. Mas exige uma língua muito própria para que, quando o espectador assistir ao resultado na tela, pareça algo natural. O Walter é um exímio falador deste ‘cinemês’.” Ao contrário das parcerias anteriores, em que era possível observar as contribuições individuais ao processo, em Linha de passe o resultado é bastante orgânico. “Senti-me bem mais à vontade neste projeto. Chegamos num ponto que nos comunicamos de maneira sutil. Só com o olhar”, conclui a cineasta Daniela Thomas.



"Narrar situações cotidianas exige simplicidade e profundidade. Não pode ser dramático, melodramático ou vazio. Foi um trabalho minucioso, quase um bordado"

Sandra Corveloni, atriz

Grafite : Do protesto à profissionalização

Glória Tupinambás
Euler Júnior/EM/D.A Press
Daniel do Carmo busca na especialização uma forma de se destacar na profissão e aprofundar conhecimentos

Tubos de spray, pincéis e tintas a óleo pintam os muros de Belo Horizonte e desenham um novo cenário no mundo acadêmico e no mercado de trabalho. O grafite, antes apenas arte de protesto das periferias e genuína expressão do movimento hip hop, aos poucos se transforma em objeto de estudo em cursos de educação artística em universidades públicas e privadas. Como profissão, a manifestação cultural já demarcou seu espaço e hoje é meio de sustento de uma legião de jovens. Essa nova realidade vai estar estampada em painéis e telas da 1ª Bienal Internacional de Grafite, que promete agitar a capital a partir desta semana.

As artes plásticas e visuais estão na lista de cursos de graduação oferecidos em cinco universidades públicas de Minas. A crescente procura pela área se reflete nos números da maior instituição federal de ensino do estado, a UFMG. A relação candidato/vaga no vestibular 2008 para artes visuais teve um aumento de 45% em relação ao ano passado, chegando a 9,24 alunos na disputa por uma cadeira. A Escola Guignard, ligada à Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), oferece o maior leque de opções para os interessados, que podem escolher entre bacharelados e licenciaturas em artes visuais e plásticas e educação artística.

Dono de exuberantes figuras que hoje enchem de cor a paisagem da capital, Warley Fabiano Santos, de 25 anos, mais conhecido como Warley Bombi, cultiva a paixão pelo desenho desde criança. “Rabiscava as paredes de casa e deixava minha marca por todas as partes. Há nove anos, o grafite me chamou a atenção e, hoje, não vejo outra trajetória de vida senão a arte”, diz Bombi, aluno do 6º período de educação artística da Escola Guignard.

O talento do jovem poderá ser visto em duas exposições durante a 1ª Bienal Internacional de Grafite, a Grande Arte e a Diálogos. Nas telas, ele pretende dar vida ao trabalho que desenvolve com jovens carentes da organização não-governamental Associação Imagem Comunitária (AIC). “Sou um multiplicador da arte e isso é importante para que eu tenha o reconhecimento da minha família. Sou de origem pobre, filho de pessoas que não têm contato com arte, com galerias, e ter um retorno financeiro do meu trabalho é fundamental”, conta Warley, que também participa do Observatório da Juventude da UFMG.

Euler Júnior/EM/D.A Press
Estudante da Guignard, Warley Santos sempre foi apaixonado pelo desenho e hoje não vê sua vida sem a arte

Daniel do Carmo, o Ovlha, de 27, também pretende alçar grandes vôos com o grafite. Formado em artes plásticas pela Escola Guignard, ele agora se dedica à pós-graduação em história da cultura e da arte na UFMG. “Sempre gostei de pintura e desenho, mas, há dois anos, aprendi a usar o grafite nas artes. Tenho buscado formação acadêmica na área para desenvolver meu talento e agora a arte é minha profissão. Conclui a graduação em dezembro, comecei a trabalhar em janeiro e já tenho meu carro e minha independência financeira”, diz Ovlha, que também é professor do projeto Arena da Cultura, da Prefeitura de BH.

HISTÓRIA O grafite, arte marginal que nasceu na Europa, teve seus primeiros registros no Brasil na década de 1970. E, na última semana, a manifestação ganhou um novo status: a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que trata da descriminalização do grafite. O texto diferencia pichação de grafitagem, que valorizaria o patrimônio público e privado desde que autorizado pelo proprietário do imóvel.

“A arte contemporânea reconhece o grafite como autêntico e o fenômeno está presente nas grandes e pequenas cidades. Os artistas são o espelho de seu tempo e esse movimento não vem de uma elite econômica, cultural e política, mas das periferias. A grande mudança é que a sociedade vai olhar de maneira diferenciada para essa manifestação, carregada de sopros de liberdade e de originalidade. O grafiteiro tem que buscar formação profissional e o mercado absorver esses profissionais é um reconhecimento do valor dessa linguagem”, afirma o artista plástico e professor universitário Rui Santana, que também é o idealizador e coordenador-geral da bienal.

BIENAL Grafiteiros dos quatro cantos do Brasil e de outros seis países da Europa, África, Ásia e América do Norte, vão se reunir em BH, de 30 de agosto a 7 de setembro, para participar da 1ª Bienal Internacional de Grafite. Ao todo, 120 artistas e 190 DJs vão participar de quatro exposições, seminários, oficinas e intervenções urbanas. O evento terá entrada franca das 9h à meia-noite, na Serraria Souza Pinto, na Avenida Assis Chateaubriand, 809, no Bairro Floresta, na Região Leste da capital. Informações no www.bigbh.com.br

ONDE CURSAR

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) artes visuais
Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) artes visuais, artes plásticas e educação artística
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) núcleos de arte; ofícios; e conservação e restauração
Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) artes visuais
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – artes

Olho no olho, a nova lição


JÚNIA CARVALHO

Jornalista e professora de ética
em comunicação da PUC Minas



De um lado, a riqueza encastelada nos salões e quartos de poucos. De outro, a miséria, que guarda becos e ruelas de guetos e favelas.

Numa ponta, governos que prometem fazer a justiça e a igualdade sair do dicionário.

Na outra, cidadãos atônitos e calados, que prosseguem descrentes das palavras e seus resultados. O apelo medieval da cena pula os séculos e se instaura confortavelmente no Brasil do segundo milênio.

No início da década passada, um termo ganhou fôlego na economia que, como maestro experiente, rege a suposta harmonia do mundo desenvolvido: responsabilidade social.

O conceito veio a galope até a estação do trem-bala, mas com dificuldade percebeu que era necessário descer em cada parada e, por isso, viajar rapidamente tornava-se improdutivo.

É que as pessoas eram ao mesmo tempo fim e meio. Portanto, seria preciso olhar nos olhos delas.

Batizada solenemente, a responsabilidade social guardou distância do primo pobre: o assistencialismo. Ele dava o peixe, ela ensinava a pescar. O chavão se espalhou e todo mundo achou que tinha entendido. O que quase ninguém percebeu é que toda responsabilidade é social e toda sociedade, para se constituir como tal, carece da prática da responsabilidade.

Então, por que responsabilidade social significa somente a adoção de projetos e ações pelas forças econômicas para minimizar flagelos que, como parte da sociedade, ela ajuda a alimentar? Responsabilidade é tarefa de todos, por todo o tempo.

O século XXI trouxe mais um termo que ajuda a compreender o movimento da iniciativa privada para avançar na evolução que o mercado determina: a sustentabilidade.

Por meio dela, a produção de riquezas se dará sem comprometer a capacidade das futuras gerações de também criar novos bens, considerando-se o respeito aos aspectos econômicos, sociais e ambientais.

Difícil falar de objetivos tão amplos e estratégicos sem falar de comunicação.

Até porque, atrás e na frente das fileiras do desenvolvimento sustentável, estão as pessoas que podem fazê-lo acontecer e que são as mesmas que dele irão se beneficiar.

E o negócio da comunicação é gente e suas relações com o mundo.

Empresas são feitas por pessoas. Esse potencial humano é muito mais do que a velha mão-de-obra, cujos braços faziam o que o seu mestre mandou. Independentemente do nível hierárquico, a ordem é participar. Para isso, é preciso conhecer. Qual o caminho a seguir?

Que importância tem o trabalho de cada um?

Por que valores são importantes?

Onde queremos chegar? Um dos reflexos dessa abertura, cujo território concentra a alma da comunicação, é a humanização das relações internas, primeiro passo para atuar responsavelmente. Empregados provam que santo de casa faz milagre.

Da porta pra fora, a complexidade se multiplica. Se do lado de dentro, a empresa é quem deve dizer a que veio, na comunidade, os olhos e ouvidos ocupam o lugar da boca.

Ainda assim, ver e ouvir não são suficientes.

A demanda colhida num grupo pode justificar a troca de uma bica por uma torneira de última geração. Se sim, o que fazer de uma tradição que veio dos antigos? Será que ela vai embora com a água que jorra mais depressa?

A garantia de não explorar dentro de uma propriedade rural pode representar o apoio do proprietário. Mas no interior, diferentemente das capitais, prevalece a proximidade da vista em detrimento da informação. Ali, preservar o espaço de um, não faz crer que se vá preservar o dos outros. E isso incomoda. Com essa retórica, não se faz aliados. A proximidade traz clareza e esta revela que o visitante não é da cozinha. Mal para as empresas, cuja maior conquista hoje é a confiança.

A comunicação caminha de braços dados com a observação e a releitura permanente de cenários. Por isso é companheira da responsabilidade social e da sustentabilidade.

Em certas instâncias, a evolução tecnológica é importante como meio. Mas nem de longe é o essencial. Da velha guarda vem a nova lição: resgatar o olho no olho, porque até agora nada provou tão bem que o diálogo é a porta para apurar com sensibilidade.

O crime de embriaguez e a Lei 11.705/08

A existência do crime depende de um resultado, identificado como a lesão ou perigo ao bem juridicamente tutelado

José Arthur di Spirito Kalil
, Advogado criminalista, diretor do Instituto de Ciências Penais e doutorando em Direito pela UFMG


A Lei 11.705/08, como se sabe, promoveu mudança na disciplina do crime de embriaguez ao volante, que agora é assim tipificado: “Art. 306 – Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

Fazendo-se cotejo entre a modalidade revogada e a atual, verifica-se que foi suprimida a expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Nota-se também que foi substituída a fórmula da direção “sob influência de álcool” pela comprovação da concentração de álcool no sangue em quantidade igual ou superior a 6dg/l.

A imediata conclusão a que se chega a partir das alterações típicas é a de que o crime em apreço deixa de ser classificado como de “perigo concreto”, para incluir-se no rol dos crimes de “perigo abstrato”. Nessa última modalidade, o perigo ao bem jurídico é presumido a partir da prática da conduta ali incriminada. Assim, à primeira vista, constatado o grau de embriaguez indicado no tipo, estaria configurado o crime.

Todavia, o princípio da ofensividade não pode ser esquecido. Tal princípio, que limita o poder punitivo estatal, é deduzido em nível infraconstitucional dos artigos 13 e 17 do CP. O primeiro dispositivo assegura que a existência do crime depende de um resultado, identificado como a lesão ou perigo ao bem juridicamente tutelado. Já o dispositivo legal que define o crime impossível (artigo 17, CP) condiciona a punibilidade da tentativa à idoneidade dos meios utilizados pelo agente e à existência do objeto material com as características exigidas pelo tipo. Vale dizer, a tentativa, para ser punível e dar ensejo a um delito possível, deve apresentar potencialidade lesiva ao bem jurídico.

O princípio da ofensividade é consentâneo com a noção de tipicidade material. Não havendo a potencialidade lesiva que se quer evitar aos bens de terceiros, não haverá tipicidade (princípio da ofensividade). A conseqüência prática de tal afirmação é de suma importância, porque um fato pode coincidir com o modelo atual de conduta previsto no tipo do artigo 306 do CTB (tipicidade formal), sem que se complete o juízo de tipicidade. Para a ocorrência desta, será necessário algo mais: a verificação in concreto da potencialidade lesiva da conduta praticada (tipicidade material).

Vêm-se na jurisprudência algumas decisões conforme esse entendimento versando sobre crimes contra a fé pública. Note-se que os tipos que definem os crimes de falsidade documental (artigo 297, CP) e de falsidade ideológica (artigo 299) não contemplam a referência ao causar perigo à fé pública. Mas é do conhecimento dos que se dedicam a esse estudo a imprescindibilidade de tal constatação para concluir-se pela tipicidade. Assim, nos crimes de falsum em que a contrafação for irrelevante, inócua, que não repercute no mundo jurídico, não haverá tipicidade (material).

Em conclusão, conquanto o tipo penal do artigo 306 do CTB não exija a constatação do perigo concreto, o fato é que o intérprete e o seu aplicador não estão dispensados de fazê-lo, em conformidade com o princípio da ofensividade.

Registre-se que parte dos crimes de perigo abstrato admite a prova em contrário da existência do perigo; nesse caso, a presunção é relativa (juris tantum) e a defesa possui a possibilidade de demonstrar que a conduta praticada não põe em risco a incolumidade das pessoas no tráfego viário, por exemplo.

Mas há casos outros em que a presunção do perigo é absoluta, ou seja, não admite a prova em contrário. Alega-se que se insere nesse contexto o crime de tráfico de drogas. Desse modo, quaisquer das condutas incriminadas pelo artigo 33 da Lei Antidrogas trariam ínsito um perigo à saúde pública.

É de se ver a enorme limitação ao direito de defesa proveniente dos crimes de perigo abstrato. Tais delitos confrontam-se seriamente com o princípio da não-culpabilidade, e mesmo com o princípio da legalidade. Daí por que a sua previsão deve ser feita com parcimônia, conforme recomendam os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade.

Para a incriminação do perigo abstrato, há regras a serem observadas na sua previsão. É necessário que não seja eficaz a incriminação da conduta através de um tipo penal de dano ou, ainda, de perigo concreto. Proíbe-se, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, o excesso representado pela incriminação do perigo abstrato, quando possível outra modalidade menos cerceadora da liberdade. Nesse sentido, caso a incriminação propiciada pelo tipo de perigo concreto mostrar-se adequada a reprimir tal conduta, então será essa a maneira de se fazer a incriminação. É a nossa posição, sobretudo porque a incriminação da embriaguez ao volante como perigo concreto reveste-se de maior taxatividade.

De outro lado, pondera-se que a atual infração administrativa prevista no artigo 165 do CTB mostra-se eficaz no combate à embriaguez ao volante, em face do caráter dissuasório evidenciado no alto valor cominado à multa.

Em suma, há que se exigir do intérprete a constatação do perigo concreto quando aparentemente a conduta do motorista amolda-se ao tipo do artigo 306 do CTB. É de se cobrar, nesses casos, a prova de que a direção empreendida colocava em risco a segurança do tráfego viário, seja por excesso de velocidade, seja porque o motorista transitava pela contramão ou pela calçada, ou porque avançava um sinal vermelho, etc.

Corrupção: um dos legados da colonização


Sílvia Iglésias
, 4º período de Direito – Centro Universitário Newton Paiva


Abolir a corrupção no Brasil ainda é um dos maiores desafios no país. Isso porque tal prática, comum nos dias atuais, tanto na Justiça brasileira como nas esferas dos poderes Executivo e Legislativo – alvos de denúncias de atos corruptos e ilícitos, não é fato recente na história. No entanto, considerando-se o direito como dinâmico e renovado, algumas ações dos magistrados vêm apontando efetivas mudanças no poder Judiciário brasileiro, já que alguns operadores jurídicos mostram-se comprometidos com a justiça em verdadeiras ações de cidadania.

Vários momentos históricos de corrupção, nas mais diversas formas, marcam os 508 anos do Brasil, e o Judiciário vem se destacando como um poder, cada vez mais, fortalecido. O que se deve levar em consideração é que, desde a “descoberta” do “novo mundo”, as bases da formação jurídica nacional foram fundadas com a imposição do direito português por meio da burocracia, da troca de favores e das relações pessoais de parentesco. Nessa configuração, estruturou-se o direito no Brasil: de um lado, uma elite com esquemas formados de corrupção e manutenção de status; de outro, magistrados dispostos a tudo para garantir privilégios para si e para os seus.

Desde os primórdios, o direito nacional não representou a contento os interesses do bem comum da coletividade. O papel dos juízes, por exemplo, que já era o cargo mais importante do poder Judiciário, considerando os pontos relevantes para tomadas de decisões, dava-se com base na lei ou nos aspectos subjetivos. Enquanto algumas heranças históricas se perpetuam ainda nos dias atuais, outras tiveram grande evolução para o exercício da cidadania. A legislação não era expressão da vontade das populações originárias e nativas, e sim imposição respaldada na dominação das elites agrárias. Diferentemente, existem, hoje, um regime democrático participativo e a consolidação de uma identidade cultural e nacional.

Com a democratização do País, depois de 20 anos de ditadura, a corrupção tem sido constantemente colocada no banco dos réus e, mesmo em um processo lento, os resultados têm sido muito benéficos, já que a sociedade tem exigido respostas mais rápidas, tendo como aliada a imprensa, que traz a lume as suspeitas de irregularidades. Isso reflete a responsabilidade maior do Judiciário em dirimir as controvérsias com imparcialidade e segurança, ainda que pese na mais alta cúpula do poder – o Supremo Tribunal Federal (STF) – a atuação de ministros escolhidos pelo presidente da República.

Entre muitos casos envolvendo magistrados, a maioria já chega ao conhecimento da opinião pública. O julgamento histórico em 2007 foi mais uma ação que devolveu a confiança ao poder Judiciário, desvendando amplo esquema de corrupção política – o conhecido “mensalão”. Ao transformar os 40 denunciados em réus, em um processo criminal, o STF cumpriu seu papel e se agigantou como uma instituição sólida e soberana, já que nunca ocorreu um processo como esse na história dos tribunais, tendo em vista o interesse político que envolvia a questão.

Atualmente, as denúncias chegam ao conhecimento da população, com considerações amplas e ágeis e atuação extensiva da imprensa. São inúmeras denúncias de corrupção na magistratura, como a venda de sentenças, abuso de poder em benefício próprio e até mesmo liberação de habeas corpus a pessoas que não fazem jus a esse direito, assegurado constitucionalmente, entre outras. Muitos são julgados e transitados independentemente de qualquer status, mas a impunidade ainda é realidade no Brasil. Isso pelo formalismo que conduz às injustiças pelos “influentes” reinantes nas esferas de alto escalão.

Consciente e crítica, a nação brasileira poderá construir um país verdadeiramente democrático, como é assegurado na Constituição Federal. Basta conhecer a história no passado para compreender a realidade atual e começar a agir para mudanças eficazes e urgentes. Mas será que a sociedade realmente tem criado mecanismos para coibir a corrupção ou acredita-se que a imprensa tem atuado de forma mais cidadã no que tange às denúncias de forma isenta e explícita, com o devido acompanhamento das práticas dos magistrados e dos operadores do Legislativo e Executivo?